PSICANÁLISE: Instrumento para AUTO-AVALIAÇÃO
Definições:
Psiquiatria
Psiquiatria Dinâmica
Psicologia
Psicologia Clínica
Psicoterapia
Psicoterapia Institucional
Psicanálise:
Origens: Mesmerismo, Hipnotismo, Catarse
“Pilares” Teóricos:
Inconsciente
Complexo de Édipo
Resistência
Recalque
Sexualidade
Instrumentos Analíticos:
Associação Livre
Atos Falhos (Lapsos)
Sonhos
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PSIQUIATRIA
Surgido em 1802, o termo psiquiatria generalizou-se no início do século XIX, em substituição à antiga medicina alienista, da qual Philippe Pinel (1745-1826), fundador francês do manicômio moderno, fora um dos grandes representantes na era clássica, ao lado de William Tuke (1732-1822) na Inglaterra, e Benjamin Rush (1746-1813) nos Estados Unidos.
Como um ramo da medicina, a psiquiatria tornou-se, no correr dos anos e em todos os países do mundo nos quais foi implantada, em lugar da demonologia, da feitiçaria e das diversas técnicas xamanísticas, uma disciplina específica que tem por objeto o estudo, o diagnóstico e o tratamento do conjunto das doenças mentais. Considera exclusivamente a organogênese (origem orgânica) das doenças e a farmacoterapia (tratamento medicamentoso).
PSIQUIATRIA DINÂMICA
Designa o conjunto das escolas e correntes que se interessam pela descrição e pela terapia das doenças da alma (loucura*, psicose*), dos nervos (neurose*) e do humor (melancolia*), segundo uma perspectiva dinâmica, ou seja, fazendo intervir um tratamento psíquico ao longo do qual se instaura uma relação de transferência* entre o terapeuta e o doente. Assim, incluem-se na psiquiatria dinâmica todas as formas de tratamento psíquico que privilegiam a psicogênese e não a organogênese das doenças da alma e dos nervos, desde o magnetismo de Franz Anton Mesmer* até a psicanálise*, passando pelo hipnotismo* e pelas diversas psicoterapias*.
PSICOLOGIA
Depois de haver constituído um ramo da Filosofia dedicado ao estudo da alma, a psicologia se transformou, no século XIX, numa disciplina fragmentada, ora ligada à biologia, ora à fisiologia, ora à medicina (psiquiatria, neurologia), ora, ainda, às chamadas “ciências sociais”. Como saber ensinado nas universidades do mundo inteiro, tornou-se, na segunda metade do século XX, juntamente com a psiquiatria e a medicina, uma das principais vias de acesso às diferentes práticas terapêuticas transmitidas pelas escolas de psiquiatria dinâmica, dentre elas a psicanálise.
PSICOLOGIA CLÍNICA
A psicologia clínica que se leciona é definida como um estudo de casos individuais cujo método se assenta em três postulados: a dinâmica, a totalidade e a gênese. O primeiro visa a investigação dos conflitos, o segundo contempla a totalidade inacabada do ser, segundo um modelo sartriano, e o terceiro pretende aprender a história do sujeito em termos de evolução e de balanço. Desses três postulados derivam os objetivos práticos: o psicólogo clínico trata doentes (hospitalizados), educa crianças, aconselha adultos e reclassifica os inadaptados.
PSICOTERAPIA
Método de tratamento psicológico das doenças psíquicas que utiliza como meio terapêutico a relação entre o terapeuta e o paciente, sob a forma de uma relação ou de uma transferência*. O hipnotismo, a sugestão*, a catarse*, a psicanálise* e todos os métodos terapêuticos próprios da história da psiquiatria dinâmica* estão incluídos na noção de psicoterapia.
PSICOTERAPIA INSTITUCIONAL
É uma forma de psicoterapia* que se exerce no âmbito da instituição: hospital geral, hospital psiquiátrico, clínica, escola, hospital-dia, apartamento terapêutico, etc.
PSICANÁLISE
Termo criado por Sigmund FREUD*, em 1896, para nomear um método particular de psicoterapia* (ou tratamento pela fala) proveniente do processo catártico (catarse*) de Josef BREUER* e pautado na exploração do inconsciente*, com a ajuda da associação livre*, por parte do paciente*, e da interpretação*, por parte do psicanalista.
Por extensão, dá-se o nome de psicanálise:
- ao tratamento conduzido de acordo com esse método;
- à disciplina fundada por Freud (e somente a ela), na medida em que abrange um método terapêutico, uma organização clínica, uma técnica psicanalítica*, um sistema de pensamento e uma modalidade de transmissão do saber (análise didática*, supervisão*) que se apóia na transferência* e permite formar praticantes do inconsciente;
- ao movimento psicanalítico, isto é, a uma escola de pensamento que engloba todas as correntes do freudismo.
“Já havendo o método catártico renunciado à sugestão*, Freud deu um passo a mais, rejeitando igualmente a hipnose. Ele trata com igualdade seus enfermos, do seguinte modo: sem procurar influenciá-los de maneira alguma, faz com que se estendam comodamente em um divã, enquanto ele próprio, retirado do olhar dos pacientes, senta-se atrás deles. Não lhes pede para fecharem os olhos e evita tocá-los, bem como empregar qualquer outro procedimento passível de lembrar a hipnose. Esse tipo de sessão se passa à maneira de uma conversa entre duas pessoas em estado de vigília, uma das quais é poupada de qualquer esforço muscular e de qualquer impressão sensorial capaz de desviar sua atenção de sua própria atividade psíquica.” (Freud, S., em um texto coletivo)
FREUD, segundo Stefan Zweig[1]
“Não se podia imaginar um indivíduo de espírito mais intrépido. Freud ousava a cada instante expressar o que pensava, mesmo quando sabia que inquietava e perturbava com suas declarações claras e inexoráveis; nunca procurava tornar sua posição menos difícil através da menor concessão, mesmo de pura forma.
“Estou convencido de que Freud poderia ter exposto, sem encontrar resistência por parte da universidade, quatro quintos de suas teorias, se estivesse disposto a vesti-las prudentemente, a dizer ‘erótico’ em vez de ‘sexualidade’, Eros em vez de ‘libido’ e a não ir sempre até o fundo das coisas, mas limitar-se a sugeri-las. Mas desde que se tratasse de seu ensino e da verdade, ficava intransigente; quanto mais firme era a resistência, tanto mais ele se afirmava em sua resolução.
“Quando procuro um símbolo da coragem moral – o único heroísmo no mundo que não exige vítimas – vejo sempre diante de mim o belo rosto de Freud, com sua clareza viril, com seus olhos sombrios de olhar reto e viril.”
ORIGENS da PSICANÁLISE:
MESMERISMO
HIPNOTISMO
CATARSE
Segundo Michel Foucault, em “História da Loucura” (6ª edição-reimpressão, Editora Perspectiva, São Paulo, 2000), a lepra ‘desaparece’ do mundo Ocidental ao final da Idade Média, sendo brevemente substituída pelas doenças venéreas e finalmente pela loucura. Os loucos ocupariam os leprosários e outras instituições.
MESMERISMO
Franz Anton MESMER (1734-1815):
Médico austríaco, amigo de Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791), era autenticamente médico da Faculdade de Viena e conhecedor da física, da filosofia e da teologia de seu tempo.
Em 1773, popularizou a doutrina do magnetismo animal: afirmava que as doenças nervosas provinham de um desequilíbrio na distribuição de um “fluido universal”, que circulava no organismo humano e animal.
A virtude curativa provinha, segundo ele, do próprio médico, portador de um fluido magnético, emanado, por exemplo, do brilho dos seus olhos. Para estabelecer o equilíbrio da circulação fluídica, devia-se pôr o doente em estado de sonambulismo e provocar nele estados convulsivos, por uma série de manipulações, chamadas passes magnéticos.
Em 1775, Mesmer foi convidado pelo Príncipe-Eleitor da Baviera a confrontar-se com o padre Johann Joseph Gassner. Humilde sacerdote rural e célebre exorcista de Würtemberg, Gassner praticava a expulsão do mal “demoníaco” do corpo das histéricas, depois de ter experimentado o método no seu próprio corpo, por ocasião de um confronto com o diabo. Ora, na presença da corte e das autoridades, Mesmer provocou e curou convulsões em um doente, sem recorrer ao exorcismo.
Mesmer declarou que Gassner era um homem honesto, mas que curava os seus doentes, sem saber, graças ao magnetismo: “Foi assim” – escreveu Henri F. Ellenberger* – “que Franz Anton Mesmer operou em 1775 a guinada decisiva do exorcismo para a psicoterapia dinâmica.”
Atacado por todas as academias da Europa, Mesmer conquistou todavia um sucesso estrondoso com os seus tratamentos magnéticos.
Em Viena, Mesmer tratou, pelo magnetismo, de Maria-Theresia Paradis, uma jovem musicista de 18 anos. Em um primeiro tempo, ela recobrou a visão, mas a sua cura foi contestada e ela voltou à cegueira. Abalado com esse fracasso, Mesmer mergulhou na depressão e depois deixou a Áustria, para instalar-se em Paris.
Em Paris, a partir de 1778, e até as vésperas da Revolução Francesa, o magnetismo fez um enorme sucesso. Tornando-se uma espécie de mago, Mesmer formou discípulos, que fundaram a Sociedade da Harmonia Universal, destinada a restabelecer os vínculos entre os homens, pela força de um fluido.
Graças à sua famosa “tina”, ele tratava coletivamente dos numerosos doentes que acorriam à sua suntuosa mansão. Em uma tina cheia d’água eram depositados pedaços de vidro, pedras e hastes metálicas, cujas pontas tocavam os pacientes, ligados entre si por uma corda, que permitia a circulação do fluido.
Em 1784, uma comissão composta de peritos da Academia de Ciências e da Sociedade Real de Medicina, entre os quais Benjamin Franklin (1706-1790) e Antoine de Lavoisier (1743-1794), condenou o mesmerismo e suas práticas, assim como a teoria do fluido, e declarou que os efeitos terapêuticos obtidos por Mesmer se deviam ao poder da imaginação humana.
Nessa data, o marquês Armand de Puységur (1751-1825) demonstrou na sua aldeia de Buzancy a natureza psicológica, e não fluídica, da relação terapêutica, substituindo o tratamento magnético por um estado de “sono desperto” ou “sonambulismo”.
Em 1931, quando Sigmund Freud leu a obra que Stefan Zweig acabava de dedicar a Mesmer e à história da “cura pelo espírito”, atribuiu o devido lugar a esse médico das Luzes na história da invenção da sugestão: “Penso, como você, que a verdadeira natureza da sua descoberta, isto é, a sugestão, ainda não está identificada”. Isso se faria pelos trabalhos da historiografia* erudita.
HIPNOTISMO
HIPNOSE: Termo derivado do grego hypnos (sono) e sistematizado, entre 1870 e 1878, para designar um estado alterado de consciência (sonambulismo ou estado hipnóide) provocado pela sugestão* de uma pessoa em outra.
Hipnotismo foi um termo cunhado em 1843 pelo médico escocês James Braid (1795-1860), para definir o conjunto das técnicas que permitiam provocar um estado de hipnose num sujeito, com finalidades terapêuticas. A sugestão se dava, nesse caso, entre um médico hipnotizador e um paciente hipnotizado. As duas palavras, hipnose e hipnotismo, são freqüentemente utilizadas na mesma acepção.
Em 1784, no exato momento em que, em Paris, a teoria do magnetismo animal de Franz Anton Mesmer era condenada pelos especialistas da Academia de Ciências e da Real Sociedade de Medicina, o marquês Armand de Puységur (1751-1825) demonstrava, em sua cidadezinha de Buzancy, a natureza psicológica e não “fluídica” da relação terapêutica, substituindo o tratamento magnético por um estado de “sono desperto” ou “sonambulismo”.
Em especial, ele observou que Victor Race (seu “paciente”), longe de cumprir suas ordens, antecipava-se a elas e chegava até a impor sua vontade a seu magnetizador pelas palavras, pela verbalização de seus sintomas, sem experimentar nenhuma crise convulsiva.
Foi assim que, às vésperas da Revolução de 1789, nasceu a idéia de que um mestre (um cientista, um médico ou um nobre) podia ser cerceado no exercício de seu poder por um sujeito* capaz de falar, mesmo que este lhe fosse inferior (um criado, um doente, um camponês, etc.).
Em 1813, o abade José Custódio de Faria (1756-1819) retomou a mesma idéia, depois de haver participado do movimento revolucionário. Criticando todas as teorias do “fluido”, inaugurou em Paris um curso público sobre o “sono lúcido” e demonstrou que era possível fazer os sujeitos adormecerem, concentrando a atenção deles num objeto ou num olhar.
O sono, portanto, não dependia do hipnotizador, mas do hipnotizado.
Em 1845, Alexandre Dumas (1802-1970) fez do abade Faria um personagem lendário em seu romance O conde de Montecristo.
Antes que essa bela idéia da liberdade da fala, própria da filosofia do Iluminismo, percorresse seu caminho e fosse retomada por Sigmund Freud, foi preciso que se instalasse sobre as ruínas do magnetismo a longa aventura da hipnose.
Progressivamente libertos do “fluido”, os magnetizadores da primeira metade do século XIX começaram a praticar um hipnotismo espontâneo, provocando estados sonambúlicos nos doentes nervosos. Esse método de exploração favorecia a revelação de segredos patogênicos nocivos, enterrados no inconsciente* e responsáveis pelo mau estado psíquico dos sujeitos.
A partir de 1840, espalhou-se pela Europa e Estados Unidos uma grande onda de espiritismo*. Entre as mulheres que se transformavam em videntes, dotadas de personalidades múltiplas, e os médicos que hesitavam em acreditar numa possível relação com o além, o hipnotismo permitiu conferir um estatuto racional à relação terapêutica.
James Braid, que introduziu a palavra ‘hipnotismo’, refutou definitivamente a teoria fluídica em prol de uma explicação de tipo fisiológico, e substituiu a técnica mesmeriana dos “passes” pela fixação num objeto brilhante, na qual Faria já havia pensado.
Foi Auguste Liébeault* quem retomou os ensinamentos de Braid, seguindo-se a ele Hippolyte Bernheim*. Em 1884, os dois fundaram a Escola de Nancy, que se tornou a grande rival da Escola da Salpetrière, dominada pelo ensino de Jean Martin Charcot*.
A querela entre essas duas escolas, que teve por pivô fundamental a questão da histeria*, durou uns bons dez anos. Enquanto Charcot assimilava a hipnose a um estado patológico, a uma crise convulsiva, e utilizava o hipnotismo para retirar a histeria da simulação e lhe conferir o estatuto de neurose*, Bernheim a considerava um processo normal.
Assim, via no hipnotismo uma técnica de sugestão que permitia tratar dos pacientes. Reatando com o projeto de instituir uma terapia fundamentada numa pura relação psicológica, ele abriu caminho para a expansão das diversas psicoterapias da segunda psiquiatria dinâmica. Foi por isso que acusou Charcot de “fabricar” histéricas através da sugestão.
Essa disputa, que opôs as duas escolas e mobilizou todos os especialistas europeus nas doenças da alma, indicou o quanto a hipnose era portadora de uma nova esperança de cura, muito embora a nosografia psiquiátrica do fim do século XIX se esgotasse no niilismo terapêutico, de tanto preconizar tratamentos inúteis – camisas-de-força, banhos, eletricidade etc. – e construir classificações rígidas, das quais o sofrimento do sujeito era banido.
Simultaneamente marcado pelo ensino de Charcot e pelo de Bernheim, Freud logo abandonou a hipnose em favor da catarse*, como mostram seus Estudos sobre a histeria*. As razões desse abandono e desse desinteresse foram objetos de múltiplos comentários contraditórios. No entanto, são bastante simples.
Se Freud não gostava da hipnose e se considerava o hipnotismo uma técnica bárbara, que só podia ser aplicada a um número restrito de doentes, era porque a adoção da psicanálise, como técnica de verbalização dos sintomas pela fala, enfim permitia ao doente falar com liberdade e com plena consciência, sem necessidade de se entregar a um sono artificial.
Um século depois de Puységur, e na mais pura tradição do Iluminismo, Freud reatualizou, assim, a grande idéia da liberdade do homem e de seu direito à fala, destruindo de um só golpe as teses de Charcot e Bernheim. O primeiro só utilizava a hipnose para fins de demonstração, e o segundo só fornecia tratamento ao preço de enterrar o doente na sugestão.
Afastando-se das duas escolas, Freud foi o único estudioso de sua época a inventar um tratamento que, libertando o enfermo dos últimos resquícios de um magnetismo transformado em hipnotismo e sugestão, propunha uma filosofia da liberdade, baseada no reconhecimento do inconsciente e de sua via real: o sonho*.
CATARSE
Catarse: Palavra grega utilizada por Aristóteles para designar o processo de purgação ou eliminação das paixões que se produz no espectador quando, no teatro, ele assiste à representação de uma tragédia. O termo foi retomado por Sigmund Freud e Josef Breuer*, que, nos Estudos sobre a histeria, chamam de método catártico o procedimento terapêutico pelo qual um sujeito consegue eliminar seus afetos patogênicos e então ab-reagi-los, revivendo os acontecimentos traumáticos a que eles estão ligados.
Fazia séculos que a noção de catarse era objeto de uma discussão interminável, tanto no campo da estética quanto no da filosofia. Em 1857, Jacob Bernays (1824 -1881), tio de Martha Bernays, futura mulher de Sigmund Freud, publicou um livro de medicina sobre o assunto. Opondo-se a Lessing (1729 -1781), que dera ao termo uma interpretação moral, fazendo da catarse um “expurgo” ou uma “purificação”, Bernays sublinhou que Aristóteles, filho de médico, havia-se inspirado no corpus hipocrático.
Daí a idéia de que o tratamento devia fazer surgir o elemento opressivo, para provocar um alívio, em vez de fazê-lo regredir através de uma transformação ética do sujeito. Tratava-se de fazer com que saísse do sujeito, através da fala, um segredo patogênico, consciente ou inconsciente, que o deixava em um estado de alienação.
Entre 1857 e 1880, foi publicado sobre essa idéia um número considerável de trabalhos em língua alemã, inspirados no de Bernays. Em Viena, onde grassava o niilismo terapêutico, as teses de Bernays foram submetidas a diversos exames críticos, e foi na esteira dessa grande onda da catarse que Josef Breuer e Sigmund Freud, ambos marcados pelo ensino aristotélico de Franz Brentano*, recorreram a essa idéia.
Esta surgiu em sua pena pela primeira vez em 1893, juntamente com a de ab-reação*, na “Comunicação preliminar” que, dois anos depois, serviria de capítulo inaugural para osEstudos sobre a histeria: “A reação do sujeito que sofre algum prejuízo só tem um efeito realmente ‘catártico’ quando é de fato adequada, como na vingança. Mas o ser humano encontra na linguagem um equivalente do ato, equivalente graças ao qual o afeto pode ser ‘ab-reagido’ mais ou menos da mesma maneira.”
Como sublinhou Albert Hirschmüller em 1978, fazia muito tempo que os dois autores empregavam esse termo. No entanto, foi a Breuer que coube a invenção do método. Freud o utilizou, por sua vez, no tratamento de Emmy von N. (Fanny Moser*).
Na França, também Pierre Janet* tinha inventado, mais ou menos na mesma época, um método muito próximo desse – recordação de uma lembrança e ab-reação –, ao qual dera o nome de dissociação verbal ou desinfecção moral. Assim, ele reivindicou uma prioridade para sua invenção.
Foi por isso que, para evitar uma disputa pela prioridade entre Paris e Viena, Breuer, instigado por Freud, apresentou o caso Anna O. (Bertha Pappenheim*) como sendo o protótipo de um tratamento catártico. Os trabalhos da historiografia* acadêmica, inaugurados por Henri F. Ellenberger* e prosseguidos por Hirschmüller, permitiram que se restabelecesse a verdade a respeito desse caso princeps.
Além dessa querela de prioridade, existe uma diferença radical entre o procedimento de Janet e o de Breuer. Ainda que, em ambos os casos, o médico interrogue o paciente sob hipnose para ganhar acesso às representações inconscientes, Janet procede por sugestão*, sem investigar o evento inicial que responde pelo efeito patogênico, ao passo que Breuer, ao contrário, procura o elemento original para ligá-lo aos afetos e provocar a ab-reação. Do ponto de vista teórico, portanto, são poucas as semelhanças existentes entre os dois métodos.
Na história da psicanálise, o método catártico deriva do campo do hipnotismo. Foi ao se desligar progressivamente da prática da hipnose, entre 1880 e 1895, que Freud passou pela catarse, para inventar o método psicanalítico propriamente dito, baseado na associação livre*, ou seja, na fala e na linguagem.
PILARES TEÓRICOS:
Inconsciente
Complexo de Édipo
Resistência
Recalque
Sexualidade
INCONSCIENTE:
Na linguagem corrente, o termo inconsciente é utilizado como adjetivo, para designar o conjunto dos processos mentais que não são conscientemente pensados. Pode também ser empregado como substantivo, com uma conotação pejorativa, para falar de um indivíduo irresponsável ou louco, incapaz de prestar contas de seus atos.
Conceitualmente empregado em língua inglesa pela primeira vez em 1751 (com a significação de inconsciência), pelo jurista escocês Henry Home Kames (1696-1782), o termo inconsciente foi depois vulgarizado na Alemanha, no período romântico, e definido como um reservatório de imagens mentais e uma fonte de paixões cujo conteúdo escapa à consciência.
Introduzido na língua francesa por volta de 1860 (com a significação de vida inconsciente) pelo escritor suíço Henri Amiel (1821-1881), foi incluído no Dictionnaire de l’Académie Française em 1878.
Em psicanálise, o inconsciente é um lugar desconhecido pela consciência: uma “outra cena”. Na primeira tópica* elaborada por Sigmund Freud, trata-se de uma instância ou um sistema (Ics) constituído por conteúdos recalcados que escapam às outras instâncias, o pré-consciente* e o consciente* (Pcs-Cs). Na segunda tópica, deixa de ser uma instância, passando a servir para qualificar o isso* (Id) e, em grande parte, o eu* (Ego) e o supereu* (Superego).
COMPLEXO de ÉDIPO:
Correlato do complexo de castração* e da existência da diferença sexual* e das gerações*, o complexo de Édipo é uma noção tão central em Psicanálise quanto a universalidade da interdição do incesto* a que está ligado. Sua invenção deve-se a Sigmund Freud, que pensou, através do vocábulo Öedipuskomplex, num complexo ligado ao personagem de Édipo, criado por Sófocles.
O complexo de Édipo é a representação inconsciente pela qual se exprime o desejo* sexual ou amoroso da criança pelo genitor do sexo oposto e sua hostilidade para com o genitor do mesmo sexo. Essa representação pode inverter-se e exprimir o amor pelo genitor do mesmo sexo e ódio pelo sexo oposto. Chama-se Édipo à primeira representação, Édipo invertido à segunda, e Édipo completo à mescla das duas.
O complexo de Édipo aparece entre os 3 e os 5 anos de idade. Seu declínio marca a entrada num período de latência, e sua resolução após a puberdade concretiza-se num novo tipo de escolha de objeto.
Na história da psicanálise, a palavra Édipo acabou substituindo a expressão Complexo de Édipo. Nesse sentido, o Édipo designa, ao mesmo tempo, o complexo definido por Freud e o mito fundador sobre o qual repousa a doutrina psicanalítica como a elucidação das relações do ser humano com suas origens e sua genealogia familiar e histórica.
Em psicanálise, a questão do Édipo pode ser abordada de duas maneiras diferentes, conforme nos coloquemos no ponto de vista do complexo (e portanto, da clínica) ou no ponto de vista da interpretação do mito.
Segundo a tese canônica, o complexo de Édipo está ligado à fase (estádio*) fálica da sexualidade infantil. Aparece quando o menino (por volta dos 2 ou 3 anos) começa a sentir sensações voluptuosas. Apaixonado pela mãe, ele quer possuí-la, colocando-se como rival do pai, outrora admirado. Mas adota igualmente a posição inversa: ternura em relação ao pai e hostilidade para com a mãe. Há então, ao mesmo tempo que um Édipo, um “Édipo invertido”.
E essas duas posições – positiva e negativa – perante cada genitor são complementares e constituem o Édipo completo, exposto por Freud em seu livo O eu e o isso* (O Ego e o Id).
O complexo de Édipo desaparece com o complexo de castração*: o menino reconhece então na figura paterna o obstáculo à realização de seus desejos. Abandona o investimento* feito na mãe e evolui para uma identificação* com o pai, a qual lhe permite, mais tarde, um outra escolha de objeto e novas identificações: ele se desliga da mãe (desaparecimento do complexo de Édipo) para escolher um objeto do mesmo sexo dela.
Ao Édipo, Freud acrescenta a tese da libido* única, de essência masculina, que cria uma dissimetria entre as organizações edipianas feminina e masculina. Se o menino sai do Édipo através da angústia de castração, a menina ingressa nele pela descoberta da castração e pela inveja do pênis. Nela, o complexo se manifesta pelo desejo de ter um filho do pai.
Ao contrário do menino, a menina desliga-se de um objeto do mesmo sexo (a mãe) por outro de sexo diferente (o pai). Não há, portanto, um paralelismo exato entre o Édipo masculino e seu homólogo feminino. Não obstante, existe uma simetria, uma vez que nos dois sexos o apego à mãe é o elemento comum e o primeiro.
RESISTÊNCIA:
Termo empregado em psicanálise para designar o conjunto das reações de um analisando cujas manifestações, no contexto do tratamento, criam obstáculos ao desenrolar da análise.
O processo da resistência participou, tanto quanto a transferência*, do nascimento da psicanálise. Só que esteve ainda mais diretamente associado a ele. Com efeito, Freud empregou essa palavra assim que esbarrou nas primeiras dificuldades na prática da hipnose e da sugestão, chegando até a reconhecer como “legítimas” as resistências dos pacientes confrontados com a “tirania da sugestão”.
A passagem para o método psicanalítico certamente não pôs fim às resistências, mas elas mudaram de estatuto. Tornaram-se passíveis de interpretação* e, portanto, passíveis de ser superadas.
A princípio Freud julgou ser possível transpor o obstáculo da resistência que se manifestava na forma do desrespeito à regra fundamental*, explicando seu conteúdo ao paciente com insistência e convicção.
Num segundo tempo, ele passou a considerar a resistência como um dado clínico, sintoma do que está recalcado. Assim, ela passou a participar do processo de recalque* e a depender tanto da interpretação quanto a transferência, sob cuja forma freqüentemente se manifesta.
No contexto de sua segunda tópica, Freud identificou cinco formas de resistência: três delas têm sua sede no eu* (Ego), uma no isso* (Id), e a última, no supereu* (Superego). As resistências ligadas ao Ego podem manifestar-se sob a forma do recalque como tal, sob a da resistência da transferência, ou ainda como um lucro secundário ligado à persistência da neurose, sendo a cura vivida como um perigo para o Ego.
A resistência cuja sede encontra-se no Id leva à compulsão à repetição. Pode ser superada quando o sujeito integra uma interpretação (elaboração*). A resistência do Superego exprime-se em termos de culpa inconsciente e necessidade de punição.
RECALQUE:
Na linguagem comum, a palavra recalque designa o ato de fazer recuar ou de rechaçar alguém ou alguma coisa. Assim é empregada com respeito a pessoas a quem se quer recusar o acesso a um país ou a um recinto específico.
Para Sigmund Freud, o recalque designa o processo que visa manter no inconsciente todas as idéias e representações ligadas às pulsões e cuja realização, produtora de prazer, afetaria o equilíbrio do funcionamento psicológico do indivíduo, transformando-se em fonte de desprazer.
Em outras palavras, todos os impulsos inconscientes que poderiam perturbar o consciente, são por este censurados e recalcados para o interior do inconsciente, evitando-se assim o desconforto que causariam ao indivíduo.
O recalque não lida com as pulsões em si, mas com seus representantes, imagens ou idéias, os quais, apesar de recalcados, continuam ainda no inconsciente, sob a forma de derivados ainda mais prontos a retornar para o consciente, na medida em que se localizam na periferia do inconsciente. O recalque de um representante da pulsão nunca é definitivo, portanto. Continua sempre ativo, daí um grande dispêndio energético.
O recalque constitui, para a pulsão e seus representantes, um meio termo entre a fuga (resposta apropriada ás excitações externas) e a condenação (que seria o apanágio do Superego).
Distinguimos três tempos constitutivos do recalque: (1) o recalque propriamente dito, ou recalque a posteriori; (2) o recalque originário; e (3) o retorno do recalcado nas formações do inconsciente.
O retorno do recalcado, terceiro tempo do recalque, manifesta-se sob a forma de sintomas – sonhos*, esquecimentos e outros atos falhos* –, considerados por Freud como formações de compromisso.
O recalque só se separa nitidamente do Ego pelas resistências do recalque, ao passo que, através do Id, pode comunicar-se com ele.
SEXUALIDADE:
A idéia de sexualidade é de tamanha importância na doutrina psicanalítica que, com justa razão, pôde-se afirmar que todo o edifício freudiano assentava-se sobre ela. Como conseqüência, a idéia aceita de que os psicanalistas dariam uma significação sexual a qualquer ato da vida, a qualquer gesto, a qualquer palavra, levou os adversário de Sigmund Freud a fazerem de sua doutrina a expressão de um pansexualismo* (“explicar tudo através do sexo”).
Na verdade, as coisas não são tão simples assim.
Todos os cientistas do fim do século XIX preocupavam-se com a questão da sexualidade, na qual viam uma determinação fundamental da atividade humana. Assim, faziam da sexualidade uma evidência e do fator sexual a causa primária da gênese dos sintomas neuróticos. Daí a criação da sexologia* como ciência biológica e natural do comportamento sexual.
Impregnado das mesmas interrogações que seus contemporâneos, Freud, no entanto, foi o único dentre eles a inventar não a prova do fenômeno sexual, mas uma nova conceituação, capaz de traduzir, nomear ou até construir essa prova. Por isso, ele efetuou uma verdadeira ruptura teórica (ou epistemológica) com a sexologia, estendendo a noção de sexualidade a uma disposição psíquica universal e extirpando-a de seu fundamento biológico, anatômico e genital, para fazer dela a própria essência da atividade humana.
Portanto, é menos a sexualidade em si mesma que importa na doutrina freudiana do que o conjunto conceitual que permite representá-la: a pulsão*, a libido*, o apoio* e a bissexualidade*.
A elaboração dessa nova constituição foi iniciada a partir de uma experiência clínica pautada na escuta do sujeito.
Freud não inventou uma terminologia particular para distinguir os dois grandes campos da sexualidade: a determinação anatômica, por um lado, e a representação social ou subjetiva, por outro. Não obstante, por sua nova concepção, ele mostrou que a sexualidade tanto era uma representação ou uma construção mental quanto o lugar de uma diferença anatômica.
Em conseqüência disso, sua doutrina transformou totalmente a visão que a sociedade ocidental tinha da sexualidade e da história da sexualidade em geral.
INSTRUMENTOS ANALÍTICOS:
Associação Livre
Atos Falhos (Lapsos)
Sonhos
ASSOCIAÇÃO LIVRE:
Ferramenta que caracteriza a REGRA FUNDAMENTAL constitutiva da situação analítica, segundo a qual o paciente deve esforçar-se por dizer tudo o que lhe vier à cabeça, principalmente aquilo que se sentir tentado a omitir, seja por que razão for.
O método das associações livres (das idéias), ou da livre associação, permite atingir com maior facilidade, segundo Freud, os elementos que estão em condições de liberar os afetos, as lembranças e as representações. Para tanto, é preciso convidar os paciente a se deixarem levar e “exigir” deles que não deixem de revelar um só pensamento ou idéia, a pretexto de o acharem vergonhoso ou doloroso.
ATOS FALHOS (Lapsos):
Ato pelo qual o sujeito, a despeito de si mesmo, substitui um projeto ao qual visa deliberadamente por uma ação ou uma conduta imprevistas.
Tal como em relação ao lapso, Sigmund Freud foi o primeiro, a partir de A interpretação dos sonhos*, a atribuir uma verdadeira significação ao ato falho, mostrando que é preciso relacioná-lo aos motivos inconscientes de quem o comete. O ato falho ou acidental torna-se equivalente a um sintoma, na medida em que é um compromisso entre a intenção consciente do sujeito e seu desejo inconsciente.
SONHOS:
Fenômeno psíquico que se produz durante o sono, o sonho é predominantemente constituído por imagens e representações cujo aparecimento e ordenação escapam ao controle consciente do sonhador.
Por extensão, em especial a partir do século XVIII, o termo designa também uma atividade consciente que consiste em imaginar situações cujo desenrolar desconhece as limitações da realidade sinônima de visão, devaneio, idealização ou fantasia*, em suas acepções mais corriqueiras.
Sigmund Freud foi o primeiro a conceber um método de interpretação dos sonhos baseado não em referências estranhas ao sonhador, mas nas livres associações que este pode fazer, uma vez desperto, a partir do relato de seu sonho.
A Professora Doutora Lúcia Santaella (PUC-SP), a mais importante professora de semiologia peirceana do país, afirma que só começou realmente a entender a semiologia quando foi instigada a ler, em seus anos de formação, a magistral obra de Sigmund Freud: “A interpretação dos sonhos” (Editora Imago, São Paulo).
CONSIDERAÇÃO FINAL: Psicanálise e Auto-Avaliação
A auto-avaliação não deve ser uma atividade esporádica, sasonal ou incidental, muito menos deve ser considerada por poucos critérios arbitrários.
Deve ser um estado mental constante, não somente no ambiente de trabalho, mas em todos os aspectos da vida racional, desperta e atuante.
A PSICANÁLISE é a única psicoterapia científica, e sofre a concorrência de 500 escolas de psicoterapia, distribuídas em quase todos os países do mundo.
É o melhor método para o auto-conhecimento, e portanto é perseguida por todos os sistemas ditatoriais que combatem a liberdade individual.
A PSICANÁLISE É A MELHOR FERRAMENTA PARA A AUTO-AVALIAÇÃO.
Continua sendo o método mais eficaz, de longo prazo, para o tratamento de todas as afecções psíquicas.
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BIBLIOGRAFIA:
ROUDINESCO, E. e PLON, M. DICIONÁRIO DE PSICANÁLISE, 1ª edição, Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 1998.
A Integral da Obra Psicológica de Freud, Editora Imago, São Paulo.
LAPLANCHE, J. VOCABULÁRIO DA PSICANÁLISE Laplanche e Pontalis, 4ª edição, Editora Martins Fontes, São Paulo, 2001.
[1] Stefan Zweig, (1881-1942), escritor austríaco, publicou em 1931 o ensaio A cura pelo espírito, uma história das psicoterapias desde Franz Anton Mesmer.
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