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terça-feira, 24 de junho de 2014

Violência Emocional / Verinha da Silveira

“A violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação”.


A violência emocional é um tipo bem comum de violência doméstica, mas não recebe tanta atenção e nem é tão divulgado por que afinal, trata-se de uma agressão que não deixa marcas corporais visíveis, mas emocionalmente causa cicatrizes indeléveis para toda a vida.
Violência emocional tem varias formas de manifestação, dentre elas, as mais comuns são fazer o outro sentir se inferior, sentir se omisso, dependente ou culpado. O processo de manipulação da vitima começa com a destruição da sua autoestima e afastamento de pessoas que possam socorrê-la, abrir lhe os olhos para o que esta lhe acontecendo, o isolamento da vitima é fundamental para o sucesso do agressor que pretende a dominação da parceira através de manipulação.
Em um dos depoimentos que recebemos, sobre o pseudônimo de Eduarda, ela diz:
 “Ele odiava todos meus amigos (as), dizia que não confiava neles (as), que ‘aquelas pessoas’ estava jogando a gente um contra o outro, estavam acabando com nosso casamento, que ele não ia me dizer o que fazer, mas que eu deveria saber o que era mais importante para mim. Eu me sentia péssima, sofria, tinha que escolher me afastar de meus amigos (as) para manter ele no centro da minha vida, como se fosse o rei da minha vida”.
Um dos mecanismos da manipulação pode ser a chantagem emocional, uma forma de culpar o vitima por omissão. A intenção do agressor é mobilizar a outra pessoa, tendo como chamariz alguma doença, alguma dor, algum problema de saúde, enfim, algum estado que exija atenção, cuidado, compreensão e tolerância.
“Quando eu não aguentava mais todas as opressões e agressões emocionais, resolvi dar um basta na relação, ele foi procurar um psiquiatra e voltou com um diagnóstico de bipolaridade. Foi um pesadelo este diagnóstico, pois todos os erros e abusos que ele cometeu contra mim tornaram-se justificáveis apoiados nesta enfermidade, à família dele, amigos dele, amigos homens cis héteros meus e até algumas mulheres, diziam-me que eu deveria ser tolerante, e quadro da doença levava a pessoa agir mal, não era culpa dele, que eu deveria apoia-lo”.
Mas este tipo de manipulação nem sempre é ativa, não consiste apenas em fazer a teatralidade, onde busca um sentimento de piedade, sentimento este que leva a vitima a crer tem obrigação de dar suporte, existe outro método que também é usado e que atinge muito sucesso: A reclusão. Neste mecanismo o abusador se fecha mantem se recluso a seu próprio mundo, não comunica o que esta sentindo, como se não quisesse com seu mal estar incomodar ou causar brigas.
“Ele ficava por períodos longos em silêncio, não falava sobre o que estava acontecendo, me torturava com a dúvida, logo eu pensava que ele estava sofrendo e que a culpa era minha, que eu precisaria melhorar em algo que não sabia o que para que ele pudesse se abrir comigo, sair daquela situação depressiva de isolamento. O mal estar na casa era tão grande que quase poderia ser apalpado”.
A violência verbal também se encaixa ai, se você acha que para ser violentado verbalmente é necessário alguma agressão vocalizada, não… Não precisa. A violência verbal existe até na ausência da palavra, ou seja, até em pessoas que permanecem em silêncio. O agressor verbal, vendo que um comentário ou argumento é esperado para o momento, se cala, emudece e, evidentemente, esse silêncio machuca mais do que se tivesse falado alguma coisa.
Por outro lado, existem as milhares de palavras e insinuações depreciativas que podem levar a inferiorização do outro, destruindo sua segurança e autoestima.
“Eu li no Facebook dele ele conversando com outra mulher, dizendo a ela que ela era linda, ele não me dizia nada como isso havia muito tempo, ou seja, eu a companheira dele não merecia nenhum tipo de elogio, mas outras mulheres sim. Isso aconteceu em um período muito ruim da nossa relação, quando a depreciação era um ponto alto de tudo, ele dizia que não me amava mais, ou que não sabia se me amava, dizia que não sabia se queria continuar comigo, eu me sentia um lixo”.
“Um dia ele demorou muito chegar em casa, o jantar estava na mesa esfriando, quando ele chegou eu questionei a demora ao que ele me respondeu que veio em ‘passos de tartaruga’ para casa, pois não teria mais vontade de chegar, de me ver, conversar…”.
A violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.1
As ofensas morais também fazem parte deste repertório, as insinuações infundadas de que a parceira tem um amante, as criticas depreciativas sobre o corpo dela, ou ainda usar como chacota as qualidade da companheira, por exemplo, “se você não tivesse esta qualidade estaria ferrada”, “só vale a pena estar com você por que você é… (insira ai uma qualidade)”.
“Numa das discussões ele me acusou de ter um amante, ele disse ‘quem esta chupando sua buceta, Eduarda?’ Eu fiquei sem chão, fiquei sem resposta, não conseguia raciocinar, a briga acabou ali por total falta de condição emocional de responder aquela calúnia infundada”.
Todas estas situações são precursoras da violência física.
A violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal.1
Após conseguir o intento de afastar a mulher de seu grupo social, após destruir sua autoestima, sua autodeterminação, ela fica completamente nas mãos do agressor e impossibilitada de reação. A agressão física não trata se apenas daquela que é efetivada, ela pode ser subjetiva, este tipo de agressão tem um grande poder sobre desestruturação do psicológico da vitima, pois é sentido como agressão física, sem ter tocado na agredida.
“Discutimos no quintal de casa, ele ameaçou ir embora de casa e se separar de mim, ele sabia que eu não queria isso e usava esta chantagem em todas as brigas, neste dia resolvi reagir, arranquei a aliança do dedo e atirei longe, ele buscou e me devolveu ordenando que eu recolocasse no dedo. Repeti este ato mais duas vezes, atirando a aliança longe, ele na terceira vez armou um murro contra mim, me obrigando a recolocar a aliança. Ele não desferiu o murro mas me ameaçou com violência física. Após alguns dias perguntei a ele se ele teria tido coragem de me agredir, ele me respondeu que não, mas que bem que a ameaçava me colocou no meu lugar”.
“Em várias discussões ele me silenciava quebrando objetos da casa, socando portas, destruindo moveis, eu só queria que ele parasse de quebrar as nossas coisas, aquilo me deixava perplexa, não havia possibilidade de nenhum diálogo, pois se ele estava quebrando coisas dentro de casa, o que o impediria de me agredir também?”
“Estas situações abusivas acabavam com minha saúde, me deixavam extremamente ansiosa, eu descontava na comida, engordava demais, e minha autoestima só piorava, ele estava me destruindo, mas eu queria que tudo que aquilo parasse, que ele voltasse a ser o homem com quem me casei, eu não conseguia pensar mais em me separar dele, eu acreditava que não conseguiria mais construir nada nem sozinha e nem com outra pessoa, minha vida se resumia a tentar reconstruir nossa relação a dele se resumia em me destruir.”
As agressões seguem um ciclo, elas não começam do nada, a violência psicológica é a primeira arma usada pelo agressor, esta arma ficara mais sofisticada com o tempo, atingindo a mulher com violência física, neste ponto ela estará completamente indefesa, e justamente por isso milhares de mulheres demoram a reconhecer os relacionamento abusivos e ciclos de abuso.
“É muito difícil admitir que o homem que você escolheu para ser seu melhor amigo, seu cumplice, amante, companheiro… o homem que você escolheu para viver a vida do seu lado é um agressor. É muito difícil admitir o fracasso da relação, e enfrentar as acusações que recairão sobre a mulher, no caso sobre mim, se ela fracassar, fomos criadas para entender que o sucesso da relação entre o homem e a mulher deve se exclusivamente a mulher, eu sempre me lembrava de que ouvi muitas vezes na igreja que ‘a mulher sábia edifica seu lar’, isso ficava ecoando em minha cabeça como uma musica tenebrosa no repeat, tocava sem parar…”
Se você se reconhece em alguma destas situações, procure ajuda, procure suas amigas, não se deixe ser isolada, conte o que esta acontecendo, peça socorro. Se você esta isolada de suas amigas por este homem agressor, procure auxilio através das feministas que estão nas redes sociais. Mas não se cale, não permita que este abusado/agressor destrua sua vida. Liberte-se.

Outros depoimentos:
“…E começaram os cortes… as roupas, os sonhos, os princípios que ele outrora apoiara, agora eram motivos de brigas e insultos, os amigose até mesmo meus desenhos e meu trabalho (que nunca foram valorizados). Os ciúmes dele eram sempre justificáveis: eu sempre havia feito algo que o deixava inseguro. Os meus? Loucura, claro. Ele tinha princípios, eu não.”


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Somatizar / Unoclin Terapias

Costumamos ter sintomas sempre. Vira e mexe surge uma dor de garganta, dores pelo corpo, enfim, sintomas que aparecem “do nada.” Por que isso? Chamamos esse tipo de sintoma de SOMATIZAÇÃO. A maioria das doenças começa por esse processo.
Somatizar, segundo o dicionário Aurélio, significa: Transferir para o plano físico (fenômeno de natureza psicológica): ex. Somatizou os problemas conjugais apresentando fortíssima dor de cabeça; Têm tendência a somatizar.
É ai que mora o problema, confundimos os termos. Até o dicionário deixa a desejar separando a mente do corpo (plano físico e natureza
psicológica). Quando tratamos de sintomas, mente e Corpo não devem ser divididos, precisamos entender que possuímos um corpo biológico que é regido por um psiquismo extremamente complexo!
Somatização são queixas físicas relatadas por um indivíduo com ou sem causas orgânicas definidas, vindas de um distúrbio de origem emocional.
É comum fazer confusão e achar que um sintoma sem explicação é “psicológico”; “coisa da sua cabeça”. Ela é real! A dor é real, os sintomas são reais. Podemos gerar um câncer, apenas somatizando os conflitos. Sintomas nada mais são do que uma defesa do seu corpo em relação ao problema que precisa ser resolvido.



Foto: SOMATIZAR

Costumamos ter sintomas sempre. Vira e mexe surge uma dor de garganta, dores pelo corpo, enfim, sintomas que aparecem “do nada.” Por que isso? Chamamos esse tipo de sintoma de SOMATIZAÇÃO. A maioria das doenças começa por esse processo.
Somatizar, segundo o dicionário Aurélio, significa: Transferir para o plano físico (fenômeno de natureza psicológica): ex. Somatizou os problemas conjugais apresentando fortíssima dor de cabeça; Têm tendência a somatizar.
É ai que mora o problema, confundimos os termos. Até o dicionário deixa a desejar separando a mente do corpo (plano físico e natureza 
psicológica). Quando tratamos de sintomas, mente e Corpo não devem ser divididos, precisamos entender que possuímos um corpo biológico que é regido por um psiquismo extremamente complexo!
Somatização são queixas físicas relatadas por um indivíduo com ou sem causas orgânicas definidas, vindas de um disturbio de origem emocional.
É comum fazer confusão e achar que um sintoma sem explicação é “psicológico”; “coisa da sua cabeça”. Ela é real! A dor é real, os sintomas são reais. Podemos gerar um câncer, apenas somatizando os conflitos. Sintomas nada mais são do que uma defesa do seu corpo em relação ao problema que precisa ser resolvido.

Fonte:Unoclin Terapias.

domingo, 15 de junho de 2014

SEM MEDRO DE FALAR - RELATO DE UMA VÍTIMA DE PEDOFILIA / Marcelo Ribeiro

"O silêncio protege o pedófilo"
Casado, aos 48 anos, empresário conta que foi vítima de abuso sexual dos 12 aos 16 por um maestro do coral da Igreja Católica que depois virou padre
RESUMO Há seis anos, Marcelo Ribeiro, 48, revelou à mulher Renata Daud, 36, ter sido abusado sexualmente dos 9 aos 16 anos pelo maestro do coral da Igreja Católica primeiro em Minas e depois no Rio Grande do Sul. Uma crise na relação levou o empresário a relatar pela primeira vez um trauma que escondia há mais de três décadas e que agora conta também no recém-lançado livro "Sem Medo de Falar - Relato de uma Vítima de Pedofilia" (ed. Paralela, 195 págs., R$ 24,90).
Quando comecei a ser assediado aos nove anos pelo maestro do coral da Igreja Católica da minha cidade natal, em Minas, eu não tinha noção do que era sexo. O primeiro beijo que ele me deu foi uma coisa maravilhosa. Para mim, não era erótico. Criança é erógena. Sente, mas não sabe lidar com aquilo.
Já ele, o predador sexual, sabia o que estava fazendo. Fui abusado sexualmente dos 12 aos 16 anos.
O maestro era respeitado a ponto de ter confiança de meus pais para que eu fosse morar com ele no Sul, para onde o coral se transferiu.
A primeira vez que me lembro de ter feito sexo com ele foi quando ficamos sozinhos na casa paroquial. O maestro tirou minha roupa e eu aceitei. Já tinha me beijado escondido várias vezes.
Ele me acariciou, me tocou, me beijou, me fez praticar sexo oral e me penetrou. Repetidas vezes e a seu bel-prazer. Exigiu que eu o penetrasse.
Os abusos eram um fardinho que eu tinha de carregar. Só tive consciência de ser vítima de abuso muito depois. O maestro, que viraria padre, dizia que nossa história era de amor. Só aos 42 anos consegui falar sobre o assédio.
ABUSO HOMOSSEXUAL
É mais difícil falar sobre abuso homossexual. Nunca pensei se eu era ou não gay. Antes de ser molestado, tive uma paixão platônica por uma colega de escola. Quando decidi deixar o coral e voltar para casa, tinha 16 para 17 anos e nenhum traquejo com meninas. Optei pelas profissionais, quando estudava engenharia em Belo Horizonte.
Vivi uma adolescência tardia. Aos 26 anos, conheci minha mulher. Renata tinha 13. Falei para o amigo que nos apresentou: Como é que você me apresenta uma menina que não tem peitinho ainda?' Fiz essa grosseria, mas namoramos por dois anos.
Eu era desregulado. Agia com brutalidade. Meus familiares foram os que mais sofreram com o ódio que tinha guardado. Só contei aos meus pais quando o livro ia sair.
LAVAGEM CEREBRAL
O maestro foi nos afastando de família, amigos, futebol. Era uma lavagem cerebral. Comecei a me rebelar quando passei férias em casa e voltei usando jeans. Tínhamos que usar calça social e camisa com o último botão fechado.
Minha mulher diz que há força em falar o indizível. Reencontrei Renata adulta e nos apaixonamos de novo. Mas, há seis anos, ela pediu para eu ir embora. O medo de perdê-la me fez falar pela primeira vez sobre o abuso. Ela foi amorosa e sábia.
O silêncio protege o pedófilo. Falar desnuda ele. A força da denúncia é reverberar.
É um modo também de incentivar pais e educadores a falar sobre o tema. Esse é um crime muito comum. O pedófilo está próximo. A gente vai ter que falar para as crianças o que é pedofilia, até para elas estarem mais protegidas.
Meu caso está prescrito há muito anos. O pedófilo não pode ser punido a contar uma década a partir dos 18 anos da vítima. Defendo que não exista prescrição para esse tipo de crime. Ninguém sabe quando vai se curar do trauma e conseguir falar.
O maestro dirige hoje uma instituição no Sul. Mudou de ordem. Não é mais católico. Mas fiz a denúncia à CNBB [Conferência Nacional dos Bispos do Brasil] por ter sido vítima de abuso dentro da Igreja, numa casa paroquial.
Esperava que a entidade tomasse ao menos meu depoimento formal. Ninguém me procurou. Cheguei a falar diretamente com o presidente da CNBB na época, dom Geraldo. Ele disse que eu não precisava me preocupar mais.
Três décadas depois, tomei coragem e liguei para o maestro, que segue cercado de crianças e jovens. Perguntei: "Por que não se afasta das crianças, já que tem essa doença?". Ele não disse nada. Antes de desligar, pedi: "Para de fazer o mal".
Não revelo o nome dele no livro. É uma forma de não discutir só o meu caso, mas de falar de um problema social.
Espero que o livro ajude a sociedade a combater a pedofilia. Eu fui escolhido para ser uma vítima. E tenho certeza de que também fui escolhido para contar a história.
Reportagem de Eliane Trindade na Folha de São Paulo de 15/06/2014
Não havia meu desejo. Era obediência. Como era muito criança, parecia que aquilo não me incomodava tanto, porque tinha outras coisas bacanas, como cantar no coral, ser reconhecido.


sexta-feira, 13 de junho de 2014

Minha opinião sobre a Copa / Bya Albuquerque

Começou a Copa. É incrível como o oportunismo aparece...estamos também no ano da eleição. Pela primeira vez vi a quantidade de propagandas federais sobre o abuso e a exploração sexual. Sempre digo que uma causa séria não pode e nem deve estar vinculada a partidos ou política. Porém como vítima de vários abusos, fico conformada em saber que a causa está sendo divulgada. Sempre gostei da Copa. É o único evento futebolístico que gosto. Tento ver todos os jogos e torço pelo time que acho melhor. Não exatamente por um país determinado. Dessa vez percebi algo em que jamais tinha pensado: em como o povo está sendo lesado com esse evento. Rios de dinheiro está sendo gasto com a infra estrutura para o Brasil fazer "bonito" lá fora. Aqui dentro continua feio: pessoas morrendo na fila de hospitais...escolas sem professores ou mínimas condições para o estudo...crianças passando fome...a criminalidade e a violência aumentando. Acho que somente percebi isso porque vai ser aqui no Brasil...nunca pensei em como era lá fora. O meu ânimo murchou. Fica aqui registrado o meu pensamento e o meu protesto...que não vai fazer diferença nenhuma...mas que me alivia um pouco da revolta que sinto pelos tantos fatos negativos.

Despedida / Cecília Meireles

Por mim, e por vós, e por mais aquilo 
que está onde as outras coisas nunca estão, 
deixo o mar bravo e o céu tranqüilo: 
quero solidão. 

Meu caminho é sem marcos nem paisagens. 
E como o conheces? - me perguntarão. 
- Por não ter palavras, por não ter imagens. 
Nenhum inimigo e nenhum irmão. 

Que procuras? - Tudo. Que desejas? - Nada. 
Viajo sozinha com o meu coração. 
Não ando perdida, mas desencontrada. 
Levo o meu rumo na minha mão. 

A memória voou da minha fronte. 
Voou meu amor, minha imaginação... 
Talvez eu morra antes do horizonte. 
Memória, amor e o resto onde estarão? 

Deixo aqui meu corpo, entre o sol e a terra. 
(Beijo-te, corpo meu, todo desilusão! 
Estandarte triste de uma estranha guerra...) 

Quero solidão.

Retrato / Cecília Meireles


Eu não tinha este rosto de hoje, 
assim calmo, assim triste, assim magro, 
nem estes olhos tão vazios, nem o lábio amargo.
Eu não tinha estas mãos sem força, 
tão paradas e frias e mortas; 
eu não tinha este coração que nem se mostra. 
Eu não dei por esta mudança, 
tão simples, tão certa, tão fácil: 
Em que espelho ficou perdida a minha face?


OUÇA O QUE DIZEM MULHERES QUE SOFRERAM VIOLÊNCIA SEXUAL NA INFÂNCIA / Ana Carolina Moreno, Diana Vasconcelos e Luna Markman Do G1, em São Paulo, Fortaleza e Recife

Hoje adultas, elas afirmam que trauma da exploração dura para sempre.

Não há números exatos sobre quantas crianças e adolescentes são vítimas de exploração sexual no Bras
il. Segundo estimativa da Organização Internacional do Trabalho (OIT), 100 mil menores de idade, principalmente meninas, são exploradas em mais de 900 municípios do país, quase metade deles no Nordeste. Embora o problema seja de difícil detecção, quem já o sofreu na pele garante: o trauma é real, profundo, e dura para sempre.

O G1 ouviu o relato de mulheres de Fortaleza e Recife que, em determinados momentos de sua infância, adolescência e até na idade adulta, sofreram algum tipo de violência sexual. As histórias têm começos distintos, mas o fim é parecido: ele ainda não chegou, mas segue carregado de medo, choro e vergonha. A maioria até hoje mantém esse passado escondido das próprias famílias.

Por isso, os nomes marcados com asteriscos foram trocados para preservar as identidades dessas mulheres.

Violência durante a vida inteira

Dos 32 anos de Maria do Socorro*, 13 foram de agressão familiar; 12 de exploração sexual, prostituição e uso de drogas, e sete de uma nova vida na reabilitação. "Eu nunca amei", diz ela ao lembrar dos anos em que se prostituiu. Ela conta ter tido seis filhos. Cinco deles foram frutos de abuso e prostituição. "Eles não sabem. Não sabem quem são os pais deles. Nunca contei. Tenho medo de que não entendam, de que me odeiem", diz a mulher que, atualmente, trabalha como zeladora com um novo companheiro, no Ceará. "Estou aprendendo agora [a amar]", diz ela.

Adotada aos três anos, ela conta que fugiu de casa aos 13, depois de cansar de apanhar da mãe adotiva. Nas ruas, ela conheceu uma menina e acabou morando na casa da mãe dela, a cafetina que a levou pela primeira vez pelo caminho da prostituição infantil. "O pior dia foi o primeiro, eu nunca tinha feito aquilo. Foi no dia que cheguei. Eu chorava tanto, eu não queria, ela me obrigou", afirma ela, acrescentando que "foi estupro".

Os clientes eram arranjados pela cafetina e os abusos sexuais ocorriam em matagais na Região Metropolitana de Fortaleza. As adolescentes ficavam com uma parcela pequena do dinheiro pago pelos abusos, apenas o suficiente para comprarem drogas. A maior parte do dinheiro ficava com a proprietária da casa.
"Até que eu engravidei e ela me expulsou. Eu tinha 15 anos."

Ela foi morar em um quarto de taipa, nas ruas, onde mantinha relação sexuais em troca de drogas, mesmo grávida. "Eu vivia suja. Eles [os 'clientes'] não ligavam", conta. "Eu dei meu filho quando ele tinha um mês e 20 dias. Procurei minha mãe e dei pra ela. Eu não queria essa responsabilidade. Até hoje ela cuida dele", afirma Maria do Socorro que, dois meses após o nascimento do primeiro filho, engravidou novamente do mesmo "cliente".

A segunda gravidez trouxe um relacionamento fixo, uma nova rotina e novos vícios. "Eu parei de me prostituir e fui pedir esmolas e comecei a usar crack", diz. Maria do Socorro criou a filha nestas circunstâncias até os cinco anos. "Mas eu perdi a guarda dela porque me denunciaram." Aos 20 e poucos anos e viciada em drogas mais pesadas, ela largou o companheiro, que a espancava, e foi em busca de clientes com mais dinheiro e mais exigentes. Ela passou a se prostituir na Avenida Beira Mar, um dos principais pontos turísticos de Fortaleza. "Aqui [no bairro em que vive] meus clientes eram velhos e tudo acabava rápido, né? Pagava pouco. Lá [na Beira Mar] não, eles queriam curtir a droga com a gente. Mas também demorava mais, era a noite toda. Quando começava, eu queria era que acabasse logo", conta.

Na Beira Mar, ela se envolveu com um estrangeiro e, como muitas garotas, acreditou que o príncipe dos sonhos lhe daria uma vida melhor. O homem, porém, desapareceu e, depois de um tempo, ela descobriu que estava grávida novamente. "Pra mim foi o fundo do poço. Você grávida de uma pessoa que você nem sabe quem é. Eu nunca engravidei na rua. Era uma vergonha", disse ela, que não sabe o nome ou o país de origem do pai de sua filha.

Após tentativas frustradas de provocar um aborto, ela foi convencida a não dar sua filha para a adoção, e foi levada a um tratamento de desintoxicação na Sociedade da Redenção. A estrada para a recuperação foi árdua, e ela chegou a repetir o ciclo e bater na filha recém-nascida. "Eu entrei em depressão e tinha tanta vergonha. Eu era que nem a minha mãe e eu me sentia triste com isso."

Há um ano e meio, Maria do Socorro encontrou um novo companheiro com quem teve mais um filho, desta vez, planejado e com acompanhamento médico. Os quatro vivem em uma pequena casa afastados do local onde as lembranças eram mais fortes. "Muita coisa ficou, eu não deixo minha filha na rua pra brincar, tenho medo."

Maria do Socorro ainda pretende se reaproximar dos filhos que vivem com sua mãe adotiva. Enquanto isso, ela ainda tenta se entender com o próprio passado. "Minha filha que vive comigo vive perguntando quem é o pai dela. Eu tenho vergonha, eu minto, cheguei a dizer que ele morreu."

Dois dias presa em um ponto de prostituição

Com Joana*, de Pernambuco, a história não começou na violência. Criada pela tia, ela diz não ter tido problemas em casa. Seu problema existia nas ruas e se aproveitava de meninas imaturas que gostavam de brincar desacompanhadas. "Eu gostava de sair, de conhecer o mundo, né", afirmou ela. Na noite de Ano Novo de 2008, com 17 anos recém-completos, a adolescente acompanhou uma conhecida do bairro a outro local. A menina lhe disse que precisava buscar uma troca de roupa para aproveitar o Réveillon. Chegando lá, porém, Joana disse que se deparou com um espaço aberto lotado de homens, e mulheres que faziam programa

"Eu não sabia dos perigos que a rua causava. Achavam que eu estava fazendo programa. Perguntavam se eu queria ficar com eles. 'Você quer ficar comigo? Eu lhe ajudo a voltar pra casa'", reconta ela. Sem crédito no celular, só depois de dois dias Joana conseguiu convencer um dos homens da região a levá-la de volta ao seu bairro. Antes disso, porém, ela diz ter sido obrigada a ficar com quatro homens contra a sua vontade, após sofrer ameaças de agressão e propostas de programas pagos em trocados ou comida. Um dos homens a ameaçou com uma arma e tentou impedir que ela tentasse ligar para a mãe.

Além de notar a presença de outras adolescentes no local, ela diz ter conhecido um estrangeiro por lá. O homem, que segundo ela era alemão, lhe disse que havia escutado várias vezes relatos de outras jovens como ela.

Na volta para casa, com vergonha de enfrentar a mãe, Joana se escondeu na casa de amigas e precisou ser acalmada pelos vizinhos. "Eu era muito aventureira, por isso não avisei minha mãe aonde eu ia. Ela esperou por mim três dias chorando", relembra ela.

Nas ruas de Recife, Joana diz que abordagens de adolescentes por homens adultos são comuns, independente de haver oferecimento por parte delas. Ela afirma que, também com 17 anos, foi parada na rua por homem que lhe ofereceu trabalho. Depois de anotar os dados pessoais dela, ele a conduziu a um suposto escritório, onde tentou fazer com que ela posasse nua para fotos. Ao perceber a armadilha, Joana se recusou e conseguiu fugir, ouvindo do homem que ninguém acreditaria em sua história, se ela a contasse.

"Existem muitas pessoas que não têm nenhum instinto de ser humano. Que esquecem o que é família, o que é vida, o que é criança, o que é uma pessoa perdida", afirma ela. Segundo Joana, esse tipo de pessoa pode se aproveitar de adolescentes imaturas como ela foi um dia. "Principalmente na Copa."

Copa aumenta fatores de vulnerabilidade

Anna Flora Werneck, gerente de Programas da Childhood Brasil, afirma que não é a Copa do Mundo que traz riscos de exploração sexual infantil, "mas alguns fatores da Copa aumentam a vulnerabilidade para que isso ocorra". Ela cita a grande movimentação de pessoas, a antecipação das férias escolares –que dá mais um motivo para os menores de idade ficarem ociosos–, a oferta de bebida alcoólica e o trabalho informal. Além da Copa, esses fatores também aparecem em outros eventos, como o Carnaval, as paradas LGBT e corridas de Fórmula 1. Por isso, segundo ela, o problema não deve ser esquecido a partir de 12 de julho.

Segundo ela, a exploração sexual infantil é móvel. "De certa forma ela é visível, mas é invisível. Você descobre o ponto, divulga, e as redes criminosas rapidamente vão para outro lugar." Apesar disso, diz a especialista, os espaços onde esse tipo de rede pode atuar sempre têm semelhanças, principalmente fatores de vulnerabilidade. Entre eles estão problemas familiares, incluindo maus tratos, e regiões com baixo índice de desenvolvimento humano, como as favelas e comunidades mais pobres.

São fatores como esse que levam as crianças e adolescentes às ruas, e lá as redes de tráfico de drogas e de prostituição não demoram a encontrá-las.

De acordo com a Childhood Brasil, os efeitos da violência são duradouros. Em pesquisa feita em 2009 com 69 adolescentes resgatadas de situações de exploração sexual, 60,9% delas afirmaram que já pensaram no suicídio. Dessas, 58,1% já tentaram tirar a própria vida. O número é dez vezes mais alto que a média brasileira.

"Quando violência sexual acontece, normalmente outros direitos já foram violados. Para garantir o direito, tem que garantir que a criança não esteja na rua, não está vendendo drogas, não está em situação de trabalho infantil, não está fora da escola, não se sente diminuída, insegura, não está brincando no esgoto."

'Escuridão' é para sempre

A escritora, historiadora e funcionária pública Maura de Oliveira Lobo já nasceu sem direitos. Era a década de 1970, bem antes do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), e suas primeiras lembranças são de quando ela tinha 4 anos de idade e vivia nas ruas do Rio de Janeiro com a mulher que lhe deu o sobrenome Oliveira. "Não sei dizer onde eu nasci, porque eu não tenho referência dos meus pais. Foi uma mulher da rua que me registrou. Era uma mulher sem paradeiro", reconta Maura, que adotou o sobrenome Lobo após casar pela segunda vez, anos depois de conseguir se emancipar e escapar de uma década de violência emocional, física e sexual.

O problema de Maura não foi a prostituição infantil, mas a pedofilia na residência de uma família que a acolheu aos sete anos com o intuito de fazê-la responsável pelo trabalho doméstico. Após sofrer três anos de violência sexual do pai da família, ela passou outros sete nas mãos do genro dele, que a tratava da mesma forma. Maura só conseguiu sair da tutela da família aos 16 anos, idade em que, naquela época, a pessoa ganhava o direito de ser ouvida pela Justiça.

Hoje, Maura tem a própria família e mantém uma ONG que atende crianças em situação de exploração sexual infantil. "É uma ruptura, é uma maldade tão grande que é para sempre. Para sempre vai se viver numa escuridão dessa lembrança ruim. Eu posso lhe garantir que não tem volta." Ela afirma que é feliz, mas só conseguiu superar o que chama de "escuridão" depois de começar a trabalhar para ajudar a resgatar outras crianças que passam pelo mesmo que ela passou. "É triste ver que a mesma história ainda acontece. Ainda existe muita exploração, muita violência infantil. É como se a gente olhasse para trás e visse o mesmo filme todos os dias", diz Maura.

Apesar de a grande maioria dos casos de pedofilia envolverem familiares, os riscos de casos de exploração sexual infantil durante a Copa do Mundo no Brasil preocupam a escritora. "Não existe uma criança se tornar uma mulher. Não existe. Uma criança é uma criança tanto no seu corpo quanto na sua alma", afirma ela.

"Gostaria que os turistas olhassem para o futebol, olhasse para as belezas naturais, mas nunca que olhassem para essas crianças desejando-as. Que possam olhar para aquela criança e pensar em si próprio. Só quando a pessoa consegue se colocar no lugar do outro ela consegue pensar na dor alheia. Não é possível que três minutos de prazer seja suficiente para destruir o futuro de uma vida."



Foto: OUÇA O QUE DIZEM MULHERES QUE SOFRERAM VIOLÊNCIA SEXUAL NA INFÂNCIA

Hoje adultas, elas afirmam que trauma da exploração dura para sempre.

Não há números exatos sobre quantas crianças e adolescentes são vítimas de exploração sexual no Brasil. Segundo estimativa da Organização Internacional do Trabalho (OIT), 100 mil menores de idade, principalmente meninas, são exploradas em mais de 900 municípios do país, quase metade deles no Nordeste. Embora o problema seja de difícil detecção, quem já o sofreu na pele garante: o trauma é real, profundo, e dura para sempre.

O G1 ouviu o relato de mulheres de Fortaleza e Recife que, em determinados momentos de sua infância, adolescência e até na idade adulta, sofreram algum tipo de violência sexual. As histórias têm começos distintos, mas o fim é parecido: ele ainda não chegou, mas segue carregado de medo, choro e vergonha. A maioria até hoje mantém esse passado escondido das próprias famílias.

Por isso, os nomes marcados com asteriscos foram trocados para preservar as identidades dessas mulheres.

Violência durante a vida inteira 

Dos 32 anos de Maria do Socorro*, 13 foram de agressão familiar; 12 de exploração sexual, prostituição e uso de drogas, e sete de uma nova vida na reabilitação. "Eu nunca amei", diz ela ao lembrar dos anos em que se prostituiu. Ela conta ter tido seis filhos. Cinco deles foram frutos de abuso e prostituição. "Eles não sabem. Não sabem quem são os pais deles. Nunca contei. Tenho medo de que não entendam, de que me odeiem", diz a mulher que, atualmente, trabalha como zeladora com um novo companheiro, no Ceará. "Estou aprendendo agora [a amar]", diz ela.

Adotada aos três anos, ela conta que fugiu de casa aos 13, depois de cansar de apanhar da mãe adotiva. Nas ruas, ela conheceu uma menina e acabou morando na casa da mãe dela, a cafetina que a levou pela primeira vez pelo caminho da prostituição infantil. "O pior dia foi o primeiro, eu nunca tinha feito aquilo. Foi no dia que cheguei. Eu chorava tanto, eu não queria, ela me obrigou", afirma ela, acrescentando que "foi estupro".

Os clientes eram arranjados pela cafetina e os abusos sexuais ocorriam em matagais na Região Metropolitana de Fortaleza. As adolescentes ficavam com uma parcela pequena do dinheiro pago pelos abusos, apenas o suficiente para comprarem drogas. A maior parte do dinheiro ficava com a proprietária da casa.
"Até que eu engravidei e ela me expulsou. Eu tinha 15 anos."

Ela foi morar em um quarto de taipa, nas ruas, onde mantinha relação sexuais em troca de drogas, mesmo grávida. "Eu vivia suja. Eles [os 'clientes'] não ligavam", conta. "Eu dei meu filho quando ele tinha um mês e 20 dias. Procurei minha mãe e dei pra ela. Eu não queria essa responsabilidade. Até hoje ela cuida dele", afirma Maria do Socorro que, dois meses após o nascimento do primeiro filho, engravidou novamente do mesmo "cliente".

A segunda gravidez trouxe um relacionamento fixo, uma nova rotina e novos vícios. "Eu parei de me prostituir e fui pedir esmolas e comecei a usar crack", diz. Maria do Socorro criou a filha nestas circunstâncias até os cinco anos. "Mas eu perdi a guarda dela porque me denunciaram." Aos 20 e poucos anos e viciada em drogas mais pesadas, ela largou o companheiro, que a espancava, e foi em busca de clientes com mais dinheiro e mais exigentes. Ela passou a se prostituir na Avenida Beira Mar, um dos principais pontos turísticos de Fortaleza. "Aqui [no bairro em que vive] meus clientes eram velhos e tudo acabava rápido, né? Pagava pouco. Lá [na Beira Mar] não, eles queriam curtir a droga com a gente. Mas também demorava mais, era a noite toda. Quando começava, eu queria era que acabasse logo", conta.

Na Beira Mar, ela se envolveu com um estrangeiro e, como muitas garotas, acreditou que o príncipe dos sonhos lhe daria uma vida melhor. O homem, porém, desapareceu e, depois de um tempo, ela descobriu que estava grávida novamente. "Pra mim foi o fundo do poço. Você grávida de uma pessoa que você nem sabe quem é. Eu nunca engravidei na rua. Era uma vergonha", disse ela, que não sabe o nome ou o país de origem do pai de sua filha.

Após tentativas frustradas de provocar um aborto, ela foi convencida a não dar sua filha para a adoção, e foi levada a um tratamento de desintoxicação na Sociedade da Redenção. A estrada para a recuperação foi árdua, e ela chegou a repetir o ciclo e bater na filha recém-nascida. "Eu entrei em depressão e tinha tanta vergonha. Eu era que nem a minha mãe e eu me sentia triste com isso."

Há um ano e meio, Maria do Socorro encontrou um novo companheiro com quem teve mais um filho, desta vez, planejado e com acompanhamento médico. Os quatro vivem em uma pequena casa afastados do local onde as lembranças eram mais fortes. "Muita coisa ficou, eu não deixo minha filha na rua pra brincar, tenho medo."

Maria do Socorro ainda pretende se reaproximar dos filhos que vivem com sua mãe adotiva. Enquanto isso, ela ainda tenta se entender com o próprio passado. "Minha filha que vive comigo vive perguntando quem é o pai dela. Eu tenho vergonha, eu minto, cheguei a dizer que ele morreu."

Dois dias presa em um ponto de prostituição

Com Joana*, de Pernambuco, a história não começou na violência. Criada pela tia, ela diz não ter tido problemas em casa. Seu problema existia nas ruas e se aproveitava de meninas imaturas que gostavam de brincar desacompanhadas. "Eu gostava de sair, de conhecer o mundo, né", afirmou ela. Na noite de Ano Novo de 2008, com 17 anos recém-completos, a adolescente acompanhou uma conhecida do bairro a outro local. A menina lhe disse que precisava buscar uma troca de roupa para aproveitar o Réveillon. Chegando lá, porém, Joana disse que se deparou com um espaço aberto lotado de homens, e mulheres que faziam programa

"Eu não sabia dos perigos que a rua causava. Achavam que eu estava fazendo programa. Perguntavam se eu queria ficar com eles. 'Você quer ficar comigo? Eu lhe ajudo a voltar pra casa'", reconta ela. Sem crédito no celular, só depois de dois dias Joana conseguiu convencer um dos homens da região a levá-la de volta ao seu bairro. Antes disso, porém, ela diz ter sido obrigada a ficar com quatro homens contra a sua vontade, após sofrer ameaças de agressão e propostas de programas pagos em trocados ou comida. Um dos homens a ameaçou com uma arma e tentou impedir que ela tentasse ligar para a mãe.

Além de notar a presença de outras adolescentes no local, ela diz ter conhecido um estrangeiro por lá. O homem, que segundo ela era alemão, lhe disse que havia escutado várias vezes relatos de outras jovens como ela.

Na volta para casa, com vergonha de enfrentar a mãe, Joana se escondeu na casa de amigas e precisou ser acalmada pelos vizinhos. "Eu era muito aventureira, por isso não avisei minha mãe aonde eu ia. Ela esperou por mim três dias chorando", relembra ela.

Nas ruas de Recife, Joana diz que abordagens de adolescentes por homens adultos são comuns, independente de haver oferecimento por parte delas. Ela afirma que, também com 17 anos, foi parada na rua por homem que lhe ofereceu trabalho. Depois de anotar os dados pessoais dela, ele a conduziu a um suposto escritório, onde tentou fazer com que ela posasse nua para fotos. Ao perceber a armadilha, Joana se recusou e conseguiu fugir, ouvindo do homem que ninguém acreditaria em sua história, se ela a contasse.

"Existem muitas pessoas que não têm nenhum instinto de ser humano. Que esquecem o que é família, o que é vida, o que é criança, o que é uma pessoa perdida", afirma ela. Segundo Joana, esse tipo de pessoa pode se aproveitar de adolescentes imaturas como ela foi um dia. "Principalmente na Copa."

Copa aumenta fatores de vulnerabilidade

Anna Flora Werneck, gerente de Programas da Childhood Brasil, afirma que não é a Copa do Mundo que traz riscos de exploração sexual infantil, "mas alguns fatores da Copa aumentam a vulnerabilidade para que isso ocorra". Ela cita a grande movimentação de pessoas, a antecipação das férias escolares –que dá mais um motivo para os menores de idade ficarem ociosos–, a oferta de bebida alcoólica e o trabalho informal. Além da Copa, esses fatores também aparecem em outros eventos, como o Carnaval, as paradas LGBT e corridas de Fórmula 1. Por isso, segundo ela, o problema não deve ser esquecido a partir de 12 de julho.

Segundo ela, a exploração sexual infantil é móvel. "De certa forma ela é visível, mas é invisível. Você descobre o ponto, divulga, e as redes criminosas rapidamente vão para outro lugar." Apesar disso, diz a especialista, os espaços onde esse tipo de rede pode atuar sempre têm semelhanças, principalmente fatores de vulnerabilidade. Entre eles estão problemas familiares, incluindo maus tratos, e regiões com baixo índice de desenvolvimento humano, como as favelas e comunidades mais pobres.

São fatores como esse que levam as crianças e adolescentes às ruas, e lá as redes de tráfico de drogas e de prostituição não demoram a encontrá-las.

De acordo com a Childhood Brasil, os efeitos da violência são duradouros. Em pesquisa feita em 2009 com 69 adolescentes resgatadas de situações de exploração sexual, 60,9% delas afirmaram que já pensaram no suicídio. Dessas, 58,1% já tentaram tirar a própria vida. O número é dez vezes mais alto que a média brasileira.

"Quando violência sexual acontece, normalmente outros direitos já foram violados. Para garantir o direito, tem que garantir que a criança não esteja na rua, não está vendendo drogas, não está em situação de trabalho infantil, não está fora da escola, não se sente diminuída, insegura, não está brincando no esgoto."

'Escuridão' é para sempre

A escritora, historiadora e funcionária pública Maura de Oliveira Lobo já nasceu sem direitos. Era a década de 1970, bem antes do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), e suas primeiras lembranças são de quando ela tinha 4 anos de idade e vivia nas ruas do Rio de Janeiro com a mulher que lhe deu o sobrenome Oliveira. "Não sei dizer onde eu nasci, porque eu não tenho referência dos meus pais. Foi uma mulher da rua que me registrou. Era uma mulher sem paradeiro", reconta Maura, que adotou o sobrenome Lobo após casar pela segunda vez, anos depois de conseguir se emancipar e escapar de uma década de violência emocional, física e sexual.

O problema de Maura não foi a prostituição infantil, mas a pedofilia na residência de uma família que a acolheu aos sete anos com o intuito de fazê-la responsável pelo trabalho doméstico. Após sofrer três anos de violência sexual do pai da família, ela passou outros sete nas mãos do genro dele, que a tratava da mesma forma. Maura só conseguiu sair da tutela da família aos 16 anos, idade em que, naquela época, a pessoa ganhava o direito de ser ouvida pela Justiça.

Hoje, Maura tem a própria família e mantém uma ONG que atende crianças em situação de exploração sexual infantil. "É uma ruptura, é uma maldade tão grande que é para sempre. Para sempre vai se viver numa escuridão dessa lembrança ruim. Eu posso lhe garantir que não tem volta." Ela afirma que é feliz, mas só conseguiu superar o que chama de "escuridão" depois de começar a trabalhar para ajudar a resgatar outras crianças que passam pelo mesmo que ela passou. "É triste ver que a mesma história ainda acontece. Ainda existe muita exploração, muita violência infantil. É como se a gente olhasse para trás e visse o mesmo filme todos os dias", diz Maura.

Apesar de a grande maioria dos casos de pedofilia envolverem familiares, os riscos de casos de exploração sexual infantil durante a Copa do Mundo no Brasil preocupam a escritora. "Não existe uma criança se tornar uma mulher. Não existe. Uma criança é uma criança tanto no seu corpo quanto na sua alma", afirma ela.

"Gostaria que os turistas olhassem para o futebol, olhasse para as belezas naturais, mas nunca que olhassem para essas crianças desejando-as. Que possam olhar para aquela criança e pensar em si próprio. Só quando a pessoa consegue se colocar no lugar do outro ela consegue pensar na dor alheia. Não é possível que três minutos de prazer seja suficiente para destruir o futuro de uma vida."

Ana Carolina Moreno, Diana Vasconcelos e Luna Markman

Do G1, em São Paulo, Fortaleza e Recife

http://brasil-sempedofilia.blogspot.com.br/2014/06/ouca-o-que-dizem-mulheres-que-sofreram.html

sábado, 7 de junho de 2014

Uma em cada quatro mulheres sofre violência no parto / Andrea Dip

O conceito internacional de violência obstétrica define qualquer ato ou intervenção direcionado à mulher grávida, parturiente ou puérpera (que deu à luz recentemente), ou ao seu bebê, praticado sem o consentimento explícito e informado da mulher e/ou em desrespeito à sua autonomia, integridade física e mental, aos seus sentimentos, opções e preferências. A pesquisa “Mulheres brasileiras e Gênero nos espaços público e privado”, divulgada em 2010 pela Fundação Perseu Abramo, mostrou que uma em cada quatro mulheres sofre algum tipo de violência durante o parto. As mais comuns, segundo o estudo, são gritos, procedimentos dolorosos sem consentimento ou informação, falta de analgesia e até negligência. Mas há outros tipos, diretos ou sutis, como explica a obstetriz e ativista pelo parto humanizado Ana Cristina Duarte: “impedir que a mulher seja acompanhada por alguém de sua preferência, tratar uma mulher em trabalho de parto de forma agressiva, não empática, grosseira, zombeteira, ou de qualquer forma que a faça se sentir mal pelo tratamento recebido, tratar a mulher de forma inferior, dando-lhe comandos e nomes infantilizados e diminutivos, submeter a mulher a procedimentos dolorosos desnecessários ou humilhantes, como lavagem intestinal, raspagem de pelos pubianos, posição ginecológica com portas abertas, submeter a mulher a mais de um exame de toque, especialmente por mais de um profissional, dar hormônios para tornar o parto mais rápido, fazer episiotomia sem consentimento”. “A lista é imensa e muitas nem sabem que podem chamar isso de violência. Se você perguntar se as mulheres já passaram por ao menos uma destas situações, provavelmente chegará a 100% dos partos no Brasil” diz Ana Cristina, que faz parte de um grupo cada vez maior de mulheres que, principalmente através de blogs e redes sociais, têm lutado para denunciar a violência obstétrica tão rotineira e banalizada nos aparelhos de saúde.
“Algumas mulheres até entendem como violência, mas a palavra é mais associada a violência urbana, física, sexual” diz a psicóloga Janaína Marques de Aguiar, autora da tese “Violência institucional em maternidades públicas: hostilidade ao invés de acolhimento como uma questão de gênero” que entrevistou puérperas (com até três meses de parto) e profissionais de maternidades públicas de São Paulo. “Quando a gente fala em violência na saúde, isso fica difícil de ser visualizado. Porque há um senso comum de que as mulheres podem ser maltratadas, principalmente em maternidades públicas” acredita. E dá alguns exemplos: “Duas profissionais relataram, uma médica e uma enfermeira, que um colega na hora de fazer um exame de toque em uma paciente, fazia brincadeiras como ‘duvido que você reclame do seu marido’ e ‘Não está gostoso?”Em março de 2012, um grupo de blogueiras colocou no ar um teste de violência obstétrica, que foi respondido de forma voluntária por duas mil mulheres e confirmou os resultados da pesquisa da Fundação Perseu Abramo. “Apesar de não terem valor científico, os resultados mostraram que 51% das mulheres estava insatisfeita com seu parto e apenas 45% delas disse ter sido esclarecida sobre os todos os procedimentos obstétricos praticados em seus corpos” lembra a jornalista mestre em ciências Ana Carolina Franzon, uma das coordenadoras da pesquisa. “Nós quisemos mostrar para outras mulheres que aquilo que elas tinham como desconforto do parto era, na verdade, a violação de seus direitos. Hoje nós somos protagonistas das nossas vidas e quando chega no momento do parto, perdemos a condição de sujeito” opina Ana Carolina.
Desse teste nasceu o documentário “Violência Obstétrica – A voz das brasileiras” (que você pode assistir no fim da matéria) com depoimentos gravados pelas próprias mulheres sobre os mais variados tipos de humilhação e procedimentos invasivos vividos por elas no momento do parto. Uma das participantes diz que os profissionais fizeram comentários “sobre o cheiro de churrasco da barriga durante a cesárea”.
Mas talvez o relato mais triste seja o da mineira Ana Paula, que após planejar um parto natural, foi ao hospital com uma complicação e, sem qualquer explicação por parte dos profissionais, foi anestesiada, amarrada na cama, mesmo sob protestos, submetida a episiotomia, separada da filha, largada por várias horas em uma sala sem o marido e sem informações. Seu bebê não resistiu e faleceu por causas obscuras. Ana Paula denunciou o falecimento de sua filha ao Ministério da Saúde pedindo uma investigação e em paralelo denunciou a equipe, convênio médico e o hospital que a atenderam ao CRM de Belo Horizonte. Diante do silêncio do Conselho, que abriu uma sindicância em novembro de 2012 e não forneceu mais informações, a advogada de Ana Paula, Gabriella Sallit, entrou com uma ação na justiça.
“O processo da Ana Paula foi o primeiro que trata a violência obstétrica nestes termos. Não é um processo contra erro médico, ou pelo fim de uma conduta médica. É sobre o procedimento, a violência no tratar. É um marco porque é o primeiro no Brasil” explica a advogada. “É uma ação de indenização por dano moral que lida com atos notoriamente reconhecidos como violência obstétrica. Tudo isso tem respaldo na nossa legislação”, diz.
Para prevenir a violência no parto, infelizmente comum, a advogada aconselha que as mulheres escrevam uma carta de intenções com os procedimentos que aceitam e não aceitam durante a internação. “Faça a equipe assinar assim que chegar ao hospital. E antes de sair do hospital, requisite seu prontuário e o do bebê. É um direito que muitas mulheres desconhecem. Isso é mais importante do que a mala da maternidade, fraldas e roupas. Estamos falando de algo que pode te marcar para o resto da vida”.

Na hora de fazer não gritou / Andrea Dip

Essa frase, ouvida por muitas mulheres na hora do parto, é uma das tantas caras da violência obstétrica que vitima uma em cada quatro mulheres brasileiras. Nossa repórter foi uma delas.

Eu tive meu filho em um esquema conhecido por profissionais da área da saúde como o limbo do parto: um hospital precário, porém maquiado para parecer mais atrativo para a classe média, que atende a muitos convênios baratos, por isso está sempre lotado, não é gratuito, mas o atendimento lembra o pior do SUS, porém sem os profissionais capacitados dos melhores hospitais públicos nem a infraestrutura dos hospitais caros particulares para emergências reais. Durante o pré-natal, fui atendida por plantonistas sem nome. Também não me lembro do rosto de nenhum deles. O meu nome variava conforme o número escrito no papel de senha da fila de espera: um dia eu era 234, outro 525. Até que, durante um desses “atendimentos” a médica resolveu fazer um descolamento de membrana, através de um exame doloroso de toque, para acelerar meu parto, porque minha barriga “já estava muito grande”. Saí do consultório com muita dor e na mesma noite, em casa, minha bolsa rompeu. Fui para o tal hospital do convênio já em trabalho de parto.
Quando cheguei, me instalaram em uma cadeira de plástico da recepção e informaram meus acompanhantes que eu deveria procurar outro hospital porque aquele estava lotado. Lembro que fazia muito frio e eu estava molhada e gelada, pois minha bolsa continuava a vazar. Fiquei muito doente por causa disso. Minha mãe ameaçou ligar para o advogado, disse que processaria o hospital e que eu não sairia de lá em estágio tão avançado do trabalho de parto. Meu pai quis bater no homem da recepção. Enquanto isso, minhas contrações aumentavam. Antes de ser finalmente internada, passei por um exame de toque coletivo, feito por um médico e seus estudantes, para verificar minha dilatação. “Já dá para ver o cabelo do bebê, quer ver pai?” mostrava o médico para seus alunos e para o pai do meu filho. Consigo me lembrar de poucas situações em que fiquei tão constrangida na vida. Cerca de uma hora depois, me colocaram em uma sala com várias mulheres. Quando uma gritava, a enfermeira dizia: “pare de gritar, você está incomodando as outras mães, não faça escândalo”. Se eu posso considerar que tive alguma sorte neste momento, foi o de terem me esquecido no fim da sala, pois não me colocaram o soro com ocitocina sintética que acelera o parto e aumenta as contrações, intensificando muito a dor. Hoje eu sei que se tivessem feito, provavelmente eu teria implorado por uma cesariana, como a grande maioria das mulheres.
Não tive direito a acompanhante. O pai do meu filho entrava na sala de vez em quando, mas não podia ficar muito para preservar a privacidade das outras mulheres. A moça que gritava pariu no corredor. Até que uma enfermeira lembrou de mim e me mandou fazer força. Quando eu estava quase dando a luz, ela gritou: “pára!” e me levou para o centro cirúrgico. Lá me deram uma combinação de anestesia peridural com raquidiana, sem me perguntar se eu precisava ou gostaria de ser anestesiada, me deitaram, fizeram uma episioctomia (corte na vagina) sem meu consentimento – procedimento desnecessário na grande maioria dos casos, segundo pesquisas da medicina moderna – empurraram a minha barriga e puxaram meu bebê em um parto “normal”. Achei que teria meu filho nos braços, queria ver a carinha dele, mas me mostraram de longe e antes que eu pudesse esticar a mão para tocá-lo, levaram-no para longe de mim. Já no quarto, tentei por três vezes levantar para ir até o berçário e três vezes desmaiei por causa da anestesia. “Descanse um pouco mãezinha” diziam as enfermeiras “Sossega!” Eu não queria descansar, só estaria sossegada com meu filho junto de mim! O fotógrafo do hospital (que eu nem sabia que estava no meu parto) veio nos vender a primeira imagem do bebê, já limpo, vestido e penteado. Foi assim que eu vi pela primeira vez o rostinho dele, que só chegou para mamar cerca de 4 horas depois.
Faz exatamente nove anos que tudo isso aconteceu e hoje é ainda mais doloroso relembrar porque descobri que o que vivi não foi uma fatalidade, ou um pesadelo: eu, como uma a cada quatro mulheres brasileiras, fui vítima de violência obstétrica.

ESTUPRO É CRIME HEDIONDO: DENUNCIE! / DO GRUPO ESTUPRO É CRIME HEDIONDO - JOSÉ GERALDO DA SILVA

ESTUPRO É CRIME HEDIONDO: DENUNCIE!

Violência sexual é violação grave dos direitos de escolha, com impacto profundo sobre a saúde física e mental das vítimas. 
Medo, vergonha e desconhecimento de que o ato é criminoso faz com que a maior parte das vítimas suporte esta violência sem denunciá-la, especialmente quando o agressor é um parceiro íntimo, um familiar ou um conhecido.

O QUE FAZER EM CASO DE ESTUPRO
Atendimento às Vítimas de Violência Sexual

A primeira providência do policial, familiar ou qualquer pessoa que tenha contato com a vítima é: encaminhá-la ao hospital ou pronto-socorro, com as mesmas roupas que usava na hora do estupro, sem se lavar, sem tomar banho, para exames e tratamentos que precisam ser imediatos.

Caso troque de roupa, guarde as roupas que estava usando para não limpar as provas, futuramente poderá ser feito exame mo IML.
O serviço médico deve ser procurado o mais rápido possível, pois a prevenção de gravidez e de doenças sexualmente transmissíveis é mais eficaz quanto menor o tempo transcorrido entre a agressão e o atendimento.
O atendimento imediato deve ser realizado por uma equipe multiprofissional que inclui médico, enfermeira, psicóloga e assistente social.
O hospital deve dispor de equipe treinada para fazer o acolhimento da mulher. As consultas devem transcorrer em ambiente adequado onde prevalecem as premissas de uma atitude compreensiva e solidária da equipe de atendimento, evitando-se comportamentos inquisitivos e juízos de valores.
O atendimento imediato consiste em entrevista e exame físico com a enfermagem, consulta médica, anticoncepção de emergência, profilaxia de doenças sexualmente transmitidas, incluindo hepatite B e HIV-AIDS, atendimento psicológico e orientações legais. Todos os medicamentos são fornecidos gratuitamente pelo hospital neste primeiro atendimento.
As observações dos diferentes profissionais são anotadas em uma única ficha clínica, que deve ficar arquivada no serviço. Se for necessário, cópia desta ficha poderá ser disponibilizada para a mulher ou seu representante legal (se menor).
A comunicação do crime é prerrogativa da mulher. É ela quem decide se deve dar queixa à polícia ou não. As mulheres, ou seus representantes legais, devem ser estimuladas a comunicar o acontecido às autoridades policiais e judiciárias, porém a decisão final é delas. O hospital somente comunicará a violência às autoridades nos casos previstos em lei.
Após o atendimento inicial devem ser agendados retornos em ambulatório específico para acompanhamento, durante seis meses, com ginecologista, infectologista, psicóloga, enfermeira e assistente social.
Devem ser realizados exames laboratoriais específicos para doenças de transmissão sexual, hepatite B, hepatite C e AIDS.
Para os casos de gravidez decorrente de estupro a mulher deve ser atendida em primeiro lugar pela assistente social do hospital. Posteriormente, é atendida pela psicóloga, pela enfermagem e pelo médico. Quando a mulher decide continuar com a gravidez, é acompanhada por equipe especializada que, se for o seu desejo, providenciará a doação da criança por ocasião do nascimento.
Se a mulher solicitar a interrupção da gravidez, esta solicitação deve ser discutida em reunião multidisciplinar, com a participação da diretoria clínica e da comissão de ética do hospital. A decisão de interromper a gestação depende de fatores médicos e psicológicos, entre os quais, a idade da gestação. Decisão favorável à interrupção somente será tomada se atendidos todos os requisitos da legislação brasileira.

Adaptado do texto do CAISM e aprovado pelo Dr. Aloisio Jose Bedone



terça-feira, 3 de junho de 2014

Pesquisa busca entender motivos que levam à pedofilia / Olhar Direto, Terra

Um projeto estuda imagens do cérebro geradas por estímulos para entender atração sexual por crianças. Por meio de ressonância magnética, cientistas já conseguem identificar pedófilos.

Este estudo inédito uniu cinco centros de pesquisas na Alemanha na busca das causas da pedofilia. Apesar de o tema ser o foco de pesquisas internacionais na França, Canadá e na Escandinávia, são poucos os estudos que associam a pedofilia ao funcionamento do cérebro.

É nessa linha que trabalha o departamento de medicina sexual da Clinica Universitária de Schleswig-Holstein (UKSH), em Kiel, integrante do projeto alemão. Ele é o único dentre os cinco centros que conta com aparelho de ressonância magnética (IRM), capaz de produzir imagens transversais de partes do corpo. A técnica possibilita observar diretamente o cérebro dos pacientes.

"A ressonância magnética oferece condições ideais para o exame das atividades e a estrutura cerebral. Sem precisar abrir a cabeça, podemos dizer com precisão quais áreas do cérebro estão ativas e quais não estão. A resolução da imagem que podemos observar é de cerca de um milímetro", explica o psicoterapeuta Jorge Ponseti.

Coeficiente de inteligência abaixo da média

O uso da ressonância magnética aumentou o conhecimento sobre a pedofilia. Para a medicina sexual, existem características típicas que indicam um diagnóstico. "Os pedófilos têm uma série de abnormalidades neuropsicológicas", diz Ponseti. "Seu coeficiente de inteligência é cerca de oito pontos menor que a média".

"Outro ponto interessante é que a idade da vítima está relacionada com o QI do criminoso sexual", diz o pesquisador. Isso quer dizer que, quanto menor o nível intelectual do infrator, mais jovem é a criança. "Há também evidências de que os pedófilos têm a estatura mais baixa que a média da população. Pesquisadores canadenses também descobriram que pedófilos têm duas vezes mais lesões na cabeça durante a infância que a maioria das pessoas".

Doença ou orientação sexual?

O estudo dos pesquisadores em Kiel é feito em estrito anonimato. No hospital universitário, condições propícias foram criadas para a pesquisa, como uma linha telefônica e o contato direto via internet. "Isso foi muito importante porque nem todo pedófilo abusa de crianças, é o abuso que faz dele um criminoso", diz Ponseti. O pesquisador admite que essa distinção é muito difícil de explicar para pais que sofrem há muito tempo.

O que muitas pessoas não sabem é que, na medicina sexual, a pedofilia é classificada como uma desordem mental, ou seja, uma doença. No entanto, isso só se aplica caso essa descoberta cause danos para outros e para si mesmo. "De acordo com o novo sistema norte-americano de classificação de psiquiatria, um distúrbio pedófilo existe quando uma pessoa tem uma orientação sexual direcionada às crianças e a vivencia, ou sofre com o fato de ter essa orientação sexual", diz Jorge Ponseti. "Se o pedófilo tem uma tendência sem cometer um ato contra as crianças, podemos falar da pedofilia como orientação sexual".

Pedófilos comparados a pessoas saudáveis

Os resultados obtidos por Ponseti e seus colegas foram publicados pela Biology Letters da Royal Society britânica. Em seu último estudo, eles analisaram pedófilos e indivíduos saudáveis, que visualizaram imagens de pessoas de diferentes idades. O experimento mostrou que, nos pedófilos, a atividade cerebral na área responsável por reconhecer e processar faces era mais intensa quando esse grupo visualizava rostos de crianças. Já nos adultos saudáveis, a atividade nessa região aumentava quando enxergavam rostos do grupo de sua preferência sexual.

"Aparentemente, o cérebro humano tem um mecanismo que consegue avaliar a idade de uma pessoa por meio do rosto e que, consequentemente, ativa diferentes programas comportamentais", diz Ponseti. Entre os pedófilos, isso seria um padrão analógico somente sob diferentes sinais.

Centro de recompensa ativado

Há cerca de dois anos, os cientistas de Kiel fizeram testes semelhantes no centro de neurologia do hospital universitário. No local, eles também armazenam imagens de computador originadas durante pesquisas feitas com heterossexuais. As imagens mostram zonas do cérebro que ficaram mais vermelhas ou alaranjadas depois de um alto fornecimento de sangue ou teor de oxigênio.

"Pode-se ver nessas imagens o chamado centro de recompensa do cérebro", explica o pesquisador. "Na área do córtex visual, um pouco mais em baixo, a cor se intensifica quando um homem adulto heterossexual vê uma mulher de idade apropriada. Essa mesma área é ativada quando um homem pedófilo vê uma criança nua."

Para realizar esse teste, uma mistura de diversas imagens é mostrada aos participantes. Entre as fotos estão imagens de carros, casas ou cenas de férias, além de imagens que correspondem aos padrões de estímulo dos pedófilos. As imagens da ressonância magnética mostram apenas, inicialmente, blocos brancos e pretos. Os sexólogos recorrem a um complicado algoritmo para fazer a avaliação.