“Algumas mulheres até entendem como violência, mas a palavra é mais associada a violência urbana, física, sexual” diz a psicóloga Janaína Marques de Aguiar, autora da tese “Violência institucional em maternidades públicas: hostilidade ao invés de acolhimento como uma questão de gênero” que entrevistou puérperas (com até três meses de parto) e profissionais de maternidades públicas de São Paulo. “Quando a gente fala em violência na saúde, isso fica difícil de ser visualizado. Porque há um senso comum de que as mulheres podem ser maltratadas, principalmente em maternidades públicas” acredita. E dá alguns exemplos: “Duas profissionais relataram, uma médica e uma enfermeira, que um colega na hora de fazer um exame de toque em uma paciente, fazia brincadeiras como ‘duvido que você reclame do seu marido’ e ‘Não está gostoso?”Em março de 2012, um grupo de blogueiras colocou no ar um teste de violência obstétrica, que foi respondido de forma voluntária por duas mil mulheres e confirmou os resultados da pesquisa da Fundação Perseu Abramo. “Apesar de não terem valor científico, os resultados mostraram que 51% das mulheres estava insatisfeita com seu parto e apenas 45% delas disse ter sido esclarecida sobre os todos os procedimentos obstétricos praticados em seus corpos” lembra a jornalista mestre em ciências Ana Carolina Franzon, uma das coordenadoras da pesquisa. “Nós quisemos mostrar para outras mulheres que aquilo que elas tinham como desconforto do parto era, na verdade, a violação de seus direitos. Hoje nós somos protagonistas das nossas vidas e quando chega no momento do parto, perdemos a condição de sujeito” opina Ana Carolina.
Desse teste nasceu o documentário “Violência Obstétrica – A voz das brasileiras” (que você pode assistir no fim da matéria) com depoimentos gravados pelas próprias mulheres sobre os mais variados tipos de humilhação e procedimentos invasivos vividos por elas no momento do parto. Uma das participantes diz que os profissionais fizeram comentários “sobre o cheiro de churrasco da barriga durante a cesárea”.
Mas talvez o relato mais triste seja o da mineira Ana Paula, que após planejar um parto natural, foi ao hospital com uma complicação e, sem qualquer explicação por parte dos profissionais, foi anestesiada, amarrada na cama, mesmo sob protestos, submetida a episiotomia, separada da filha, largada por várias horas em uma sala sem o marido e sem informações. Seu bebê não resistiu e faleceu por causas obscuras. Ana Paula denunciou o falecimento de sua filha ao Ministério da Saúde pedindo uma investigação e em paralelo denunciou a equipe, convênio médico e o hospital que a atenderam ao CRM de Belo Horizonte. Diante do silêncio do Conselho, que abriu uma sindicância em novembro de 2012 e não forneceu mais informações, a advogada de Ana Paula, Gabriella Sallit, entrou com uma ação na justiça.
“O processo da Ana Paula foi o primeiro que trata a violência obstétrica nestes termos. Não é um processo contra erro médico, ou pelo fim de uma conduta médica. É sobre o procedimento, a violência no tratar. É um marco porque é o primeiro no Brasil” explica a advogada. “É uma ação de indenização por dano moral que lida com atos notoriamente reconhecidos como violência obstétrica. Tudo isso tem respaldo na nossa legislação”, diz.
Para prevenir a violência no parto, infelizmente comum, a advogada aconselha que as mulheres escrevam uma carta de intenções com os procedimentos que aceitam e não aceitam durante a internação. “Faça a equipe assinar assim que chegar ao hospital. E antes de sair do hospital, requisite seu prontuário e o do bebê. É um direito que muitas mulheres desconhecem. Isso é mais importante do que a mala da maternidade, fraldas e roupas. Estamos falando de algo que pode te marcar para o resto da vida”.
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