“A exposição sexual da atualidade é sem paralelo na história da humanidade. Porque pornografia e sexo exercem poderosa atração sobre nós, se deixarmos isso livre, nossa sociedade ruirá diante de nossos olhos. Teremos milhões de pessoas com vícios sexuais”. – Dr. Kevin B. Skinner, autor do livroTreating Pornography Addiction
No Rio de Janeiro, uma jovem americana de vinte e um anos é sequestrada junto com o namorado francês em uma van. Os sequestradores os mantêm cativos por seis horas, ao longo do que cinco homens estupram a mulher oito vezes, quebram o seu nariz e espancam a todo momento o namorado que é obrigado a assistir a tudo. Em Nova Delhi, uma mulher de vinte e três anos é estuprada em um ônibus pelo trocador e pelo restante dos passageiros, que eram em número de cinco homens. Devido à violência, a mulher falece um mês depois do evento hediondo. Nos Estados Unidos, um homem mantém três mulheres sequestradas por uma década. Todas sofrem violências sexuais frequentes, uma delas tendo engravidado cinco vezes e tendo sido submetida a aborto todas as vezes por espancamento na barriga e privação de alimento.
Embora estes casos de estupro tenham recebido repercussão mundial, não são casos isolados, senão que os índices de estupro no mundo são crescentes. Nos Estados Unidos, uma mulher é estuprada a cada dois minutos, e na África, que lidera as estatísticas, uma mulher é estuprada a cada dezessete segundos. Os números, é claro, não incluem as mulheres que sofrem em silêncio. No Brasil, entre os anos de 2009 e 2013, os casos de estupro cresceram cerca de 300%.
As mulheres de toda parte do mundo definitivamente precisam de melhor segurança. Precisamos de uma força policial mais vigilante, linhas de telefone disponíveis para orientações preventivas e para denúncia, bem como punições mais severas e rápidas para crimes sexuais.
Contudo, melhor segurança será o bastante? Ou nossa sociedade sofre de um mal-estar mais profundamente arraigado, cujo um dos sintomas intoleravelmente desprezíveis é o repulsivo ato do estupro? Afinal, os noticiários periodicamente relatam incidentes de assustadora violência sexual. Um professor obtém favores sexuais de uma aluna em sala de aula, pai incestuoso abusa de sua filha na presença de seu filho, mãe e filha esfaqueiam à morte homem com o qual ambas tiveram um caso – estas são as manchetes de apenas uma semana de notícias.
Certamente algo está terrivelmente errado em nossa sociedade, mas o que é?
O tópico de violência sexual é complexo. Aqui, focarei um importante aspecto muito fortemente negligenciado pela mídia porém iluminado pela sabedoria védica.
O Pouco Discutido Fator Shurpanakha
Na tradição védica, o demônio Ravana, o vilão do Ramayana, é o emblema da luxúria. Ele era tão dominado pela luxúria que raptava mulheres atraentes onde quer que as encontrasse e forçava-as a se juntarem a seu harém. Ele até mesmo estuprou uma parente, a ninfa celestial Rambha, que era esposa de seu sobrinho.
Depois desse episódio, ele foi amaldiçoado a morrer caso alguma vez tentasse novamente estuprar uma mulher. Então, quando ele raptou Sita para desfrutar sexualmente dela, ele ameaçou matá-la e comê-la caso ela não se desse a ele voluntariamente.
Assim, pela causa de gratificar seu apetite sexual, ele tinha inclinação não apenas a estuprar, mas também a agredir mulheres de outras formas físicas e emocionais. Ele, por fim, encontrou um fim justo quando recebeu a pena de morte pelas mãos do Senhor Rama.
A perversidade de Ravana é bem conhecida, mas um detalhe crucial e subjacente de sua perversidade é pouco conhecido. O Ramayana descreve que, embora os pensamentos de Ravana inicialmente estivessem persuadindo-o a possuir Sita, ele abandonou suas intenções nefastas quando foi informado sobre o inigualável poder de Rama. Contudo, quando sua maliciosa irmã Shurpanakha incitou-o mediante a descrição da beleza de Sita de forma explícita e provocativa, ele perdeu toda a razão e convidou sua própria destruição. Shurpanakha tinha seus interesses pessoais e usou Ravana como fantoche excitando-o.
O Ramayana é o relato de eventos antigos fatuais, mas também demonstra princípios eternos, que se repetem ao longo da História. Ravana obviamente representa os pervertidos sexuais. O que Shurpanakha representa? Ela representa as forças que incitam as pessoas sexualmente e fazem-nas se comportarem de maneiras ravânicas.
A Shurpanakha Moderna
O principal incitador sexual da atualidade, a moderna Shurpanakha, é o mundo comercial que usa o sexo para vender seus produtos. O mundo comercial sabe que o sexo é a melhor ferramenta de promoção de vendas porque nada prende mais a atenção das pessoas e precipita a imaginação do que sexo. Assim, o sexo é explorado como o mercadizador onipresente, e assim nossa cultura é preenchida por imagens sexualmente provocantes.
Essa exploração comercial do sexo é cada vez mais evidente e escandalosa na indústria do entretenimento, especialmente em Hollywood e Bollywood, onde o sexo é muito possivelmente o mais glamuroso produto à venda. E a moderna Shurpanakha mostra ostensivamente o seu pior na indústria pornográfica, na qual o sexo, com destaque crescente para o sexo brutal, é o único produto à venda. Sites, revistas, livros, DVDs, canais fechados etc. com conteúdo pornográfico representam uma das indústrias globais mais lucrativas. Somente nos Estados Unidos, o rendimento financeiro da pornografia é maior do que o rendimento combinado de todas as franquias profissionais de futebol, beisebol e basquetebol.
Devido a essa exploração comercial maciça, o sexo é empurrado sobre nós de todas as direções: TV, teatro, internet, revistas e outdoors. Praticamente para qualquer lugar que olhemos, imagens sexualmente provocativas nos saltam aos olhos. A forma como a cultura humana tornou-se sexualizada nas últimas décadas não tem precedentes na história global, como a citação inicial do Dr. Skinner testifica.
Qual é o efeito desse incessante bombardeamento sexual sobre seus alvos?
As pessoas podem algumas vezes resistir à tentação de comprar os produtos específicos promovidos com propaganda de apelo sexual, mas é muito mais difícil resistir ao superestímulo sexual genérico. Para muitas pessoas, esses desejos sexuais ressoam no coração e crescem no coração até encontrarem uma vazão para se expressarem. Então, como a lava cuspida por um vulcão em erupção, esses desejos explodem e violentam aqueles que desafortunadamente estejam no caminho. Aqueles que são controlados por semelhantes desejos se tornam os Ravanas modernos. Na verdade, terminam se tornando piores do que o Ravana do Ramayana – a violência brutal dos estupradores de Delhi, por exemplo, em muito excede o que Ravana fez a qualquer mulher. Tais homens pervertidos precisam ser rápida e visivelmente punidos com toda a severidade necessária, tal como o Senhor Rama fez com Ravana.
Contudo, também temos que lembrar que a Shurpanakha que os incitou também está incitando a todos, inclusive nós. É claro que a crueldade dos estupradores de Delhi é impensável à maioria de nós, mas, considerando que toda violência sexual é pavorosa e que acontece com frequência no mundo todo, seria certamente ingênuo ou simplista demonizar apenas tais estupradores e chamarmos de apenas atrevidos ou algo similar os demais, incluindo nós mesmos.
A Consequência Mortal da Liberalização
Na verdade, estamos cada vez mais vulneráveis, pois a moderna Shurpanakha incita-nos de maneiras cada vez mais traiçoeiras. Ela faz com que acreditemos que nos tornarmos sua marionete, isto é, nos tornarmos sexualmente excitados, é um sinal de liberalização. Para entendermos como a liberalização pode nos ser uma armadilha, consideremos primeiramente uma análise lógica para a restrição sexual.
O Bhagavad-gita (7.10) nos oferece um critério para a santidade do sexo: quando é feito dentro da jurisdição do dharma, ele nos oferece a oportunidade de experienciarmos o Divino. O sexo permite que nos tornemos cocriadores com Deus no trazimento de nova vida ao mundo.
Ao mesmo tempo, a sabedoria do Bhagavad-gita alerta-nos que, quando o sexo é divorciado de sua perspectiva e de seu propósito divinos, ele se torna motivado por uma força mortal que impele as pessoas à imoralidade e até mesmo à animalidade. No Bhagavad-gita (3.36), Arjuna pergunta a Krishna: “O que faz as pessoas agirem pecaminosamente até mesmo contra a própria vontade delas?”. Essa pergunta eternamente relevante ecoa no presente. Krishna responde (Bhagavad-gita3.37) que o nocivo impulsionador interno é a luxúria, que é o inimigo pecaminoso que a tudo devora neste mundo. Ele, então, delineia como uma cultura filosoficamente informada e devocionalmente centrada nos dota com o poder necessário para mantermos a luxúria sob controle.
Tradicionalmente, os votos sagrados do matrimônio era a inviolável cerca que refreava a força sexual. A moderna Shurpanakha nos convenceu de que essa cerca é excessivamente retrógrada e repressiva, em virtude do que temos que nos libertar dela. Assim convencidos, aprovamos a libertação dessa força para além da cerca convencionada toda vez que nos alegramos com imagens, linguagens e música sexualmente explícitas.
Porém, uma vez que a luxúria é solta, ela pode rapidamente sair de controle. O Bhagavad-gita (3.39) informa isso declarando que a luxúria é como um incêndio insaciável. A indulgência, em vez de extinguir o fogo, age como o combustível. Assim, quando libertamos um pouco a força da luxúria através da indulgência, ela se torna mais forte e exige mais liberdade através de mais indulgência. Quando consentimos, se torna ainda mais forte e exige ainda mais liberdade, perpetuando assim um círculo vicioso. O que talvez considerássemos desarrazoado, inescrupuloso ou irresponsável antes de liberarmos a luxúria pode, com o tempo, se tornar aceitável, então agradável e, finalmente, irresistível. Muitas pessoas se pervertem sexualmente em virtude da moderna Shurpanakha.
Essa mesma séria verdade é transmitida poeticamente pelo satirista inglês Alexander Pope:
O vício é uma monstra de tão feio aspecto,
Que para abominá-lo basta a vista;
Mas se o vemos demais, a face horrenda
De abjeta a familiar, chega a benquista
Que para abominá-lo basta a vista;
Mas se o vemos demais, a face horrenda
De abjeta a familiar, chega a benquista
(Paráfrase: O vício é uma monstra tão horrenda [o autor usa a figura feminina para transmitir o perigoso poder de sedução da criatura] que, se o vemos mesmo que uma só vez, o odiamos. Mas se continuamos vendo-o regularmente, seremos vitimados por seus charmes e iremos aderir a ele).
Compreender essa natureza insidiosa da luxúria pode nos ajudar a ver a conexão entre a exploração comercial genérica do sexo e a violência sexual específica do estupro: a força que estamos liberando com o nome de liberalização é a mesma força que, em um estágio posterior, impele o crime bestial.
A maioria dos comerciais na mídia retrata o sexo de forma romântica e consensual. A censurável glamorização do sexo violento em formas extremas de pornografia é uma exceção significativa e crescente. Contudo, mesmo se deixarmos de lado a exceção, o fato permanece que mesmo a retratação comercial do sexo romântico incita o monstro da luxúria, e, uma vez que essa fera terrível é desperta, pode ficar cega à diferença entre sexo santificado e sexo profano. O monstro pode ficar mais cego a ponto de não mais distinguir entre sexo consensual e sexo forçado. E no auge da cegueira, pode não mais distinguir entre apenas sexo e sexo misturado com violência, tortura, mutilação e assassinato. Devido à sua natureza cegante, o Bhagavad-gita nos alerta que a luxúria é “o destruidor do conhecimento e da inteligência” (Bhagavad-gita 3.41) e “nosso eterno inimigo” (Bhagavad-gita 3.39).
De modo algum essa análise metafórica da luxúria como um monstro se destina a tirar a culpa dos estupradores, haja vista que eles são responsáveis por permitirem que o monstro os perverta. Essa análise, contudo, nos ajuda a ver que seu barbarismo não é uma anomalia que pode ser retificada simplesmente por meio de medidas legais mais contundentes, senão que se trata de uma consequência deplorável porém natural da febril sexualização que permeia toda a nossa cultura.
Os revoltantes estupros noticiados podem ser tidos como o alerta para nos darmos conta de que estamos sendo manipulados por pessoas e incorporações com interesses egoístas que estão explorando nossa sexualidade para encherem suas contas bancárias enquanto impulsionam em nós um autodestrutivo redemoinho de uma luxúria sempre em agravamento. A liberalização é a manobra que está nos enganando de tal forma que voluntariamente, e até mesmo avidamente, joguemos o jogo da moderna Shurpanakha.
Se não frearmos a moderna Shurpanakha, então, assim como o conhecimento do poder de Rama não deteve Ravana, o demônio enlouquecido pela luxúria, o conhecimento de severas punições legais não deterá os Ravanas modernos.
O Fetiche Autodestrutivo de Ser Politicamente Correto
Falar hoje contra a liberalização é algo amplamente considerado politicamente incorreto. Quem tem a audácia de sugerir que pode haver algo de errado na liberalização é imediatamente silenciado por uma ensurdecedora reação política.
Pertinentemente, o Ramayana retrata como a atração por ser politicamente correto pode ser algo autodestrutivo. Pouco depois que Ravana, manipulado pelas mãos de Shurpanakha, raptou Sita, ele começou a testemunhar as consequências de sua tolice suicida: Hanuman, com sua bravura incendiária, reduziu quase metade de Lanka, o reino de Ravana, a cinzas.
O aflito Ravana convocou uma reunião emergencial de seu conselho de ministros para decidirem medidas preventivas de defesa. Nesse conselho, dizer que Ravana havia errado ao ter sequestrado Sita era politicamente incorreto. Então, seus ministros bajuladores apenas recomendaram melhores medidas de segurança para Lanka como a solução. Quase ninguém ousou ser politicamente incorreto. A única voz contrária ao politicamente correto foi de Vibhishana, que ousada e firmemente tentou estimular Ravana a abandonar seu desejo por desfrutar de Sita e devolvê-la a Rama.
Infelizmente, Ravana estava tão possuído pelo monstro da luxúria que sequer cogitou aquele poderoso conselho. Ele rudemente calou a voz discordante de Vibhishana e, deste modo, selou seu pacto com a morte.
Embora os paralelos desta situação do Ramayana com as consequências de muitos casos de estupro possam ser grosseiros, seu ponto central é válido e vital: escolheremos ser politicamente corretos ou sermos reformados corretamente?
Reespiritualização Liberalizadora
Caso escolhamos reformar, é possível que cada um de nós faça uma contribuição tangível. Todos nós temos o poder de pararmos de ser marionetes da Shurpanakha moderna; podemos individualmente nos rebelar contra a furiosa sexualização de nossa cultura. Cada vez que nos vistamos, cada vez que olhemos para outros, cada vez que respondamos a uma linguagem sexualmente explícita ou dissimulada, temos o poder de fazer uma declaração: “Não mais seremos marionetes nas mãos daqueles que exploram a nossa sexualidade”. Toda declaração como essa não é apenas uma declaração, mas também uma contribuição para a progressiva cura da febre sexual que é pandêmica em nossa cultura.
A fim de ajudar nessa cura, a sabedoria do Bhagavad-gita nos oferece uma fundação intelectual e um trajeto prático. Ajuda-nos a compreendermos que não somos o corpo, mas almas espirituais. Somos amadas partes de Krishna, que é o nosso Senhor todo-atrativo e todo-amoroso. Nossa obsessão por sexo é um reflexo corrompido de nosso amor original por Krishna. Redirecionando nosso amor a Krishna, podemos gozar de uma profunda felicidade interna, que nos ajuda a regular e a transcender o desejo sexual.
E o processo do serviço devocional oferece-nos meios práticos pelos quais podemos redirecionar nosso amor para Krishna. A cultura devocional é naturalmente centrada em Krishna e minimiza todas as distrações. Esse é o porquê de nem os homens nem as mulheres darem ênfase à sua sexualidade ou exacerbarem a mesma, mas, em vez disso, ambos se centrarem no desenvolvimento de sua espiritualidade latente. Vemos uns aos outros não como potenciais objetos sexuais, mas como seres espirituais, como pessoas que viajam juntas em uma épica viagem devocional de volta a Krishna. Tal visão nos ajuda a buscarmos a satisfação interior sem nos divergirmos. Quanto mais espiritualmente satisfeitos nós ficamos, mais ficamos libertos da constante avidez por sexo. Quando nossa energia mental não mais é perpetuamente dissipada por fantasias sexuais, tornamo-nos livres para utilizar completamente nossas habilidades e nossos recursos para o bem-estar holístico tanto nosso quanto de outros. Isso, com efeito, é a verdadeira liberalização.
Reduzirmos a sexualização de nossa cultura e participarmos de sua reespiritualização – eis os dois componentes da solução definitiva para o profundamente enraizado problema da violência sexual.
Nenhum comentário:
Postar um comentário