O HPV (papilomavírus humano) é a doença sexualmente transmissível mais comum no mundo. Com mais de cem tipos de vírus, estima-se que 50% da população sexualmente ativa já tenha sido infectada por algum tipo de HPV. “É uma doença altamente infecciosa, até mais que o HIV. Para estar exposto aos vírus, não precisa necessariamente ter relação sexual com penetração. As pessoas virgens não estão necessariamente protegidas contra o HPV, pois ele pode ser transmitido por contato sexual, que envolve sexo oral e carícias”, explica o Secretário de Vigilância em Saúde Jarbas Barbosa.
Embora o preservativo ofereça proteção efetiva, é possível que a transmissão ocorra mesmo com seu uso, uma vez que o parceiro pode ter verrugas na parte externa dos genitais e na área com pelos, regiões que não são cobertas pela camisinha, e acabar transmitindo o vírus. Mas esse fato não exclui o uso do preservativo, pois sem ele as pessoas ficam mais expostas ao HPV e a outras DSTs.
Como a intenção de evitar futuras contaminações pelos vírus, o Ministério da Saúde do Brasil adotou mais uma medida preventiva que deve ser somada ao uso do preservativo e ao exame de papanicolaou: a campanha de vacinação contra o HPV, iniciada no dia 10 de março de 2014. Cerca de 2 milhões de meninas de 11 a 13 anos já foram imunizadas contra quatro tipos do vírus: dois de alto risco (16 e 18) e dois causadores das verrugas genitais benignas (6 e 11). O ministério também conseguiu negociar e comprar a vacina pelo preço mais baixo do mundo: cada dose saiu por R$30. Como são três, cada menina gera um gasto de R$ 90 para o governo, que oferece gratuitamente as três doses. Mesmo não sendo um valor baixo, o preço está muito mais em conta do que o oferecido pela rede privada, que chega a cobrar R$1.500 pelas três doses.
A vacina foi criada em 2006, na Austrália, “e já faz parte dos programas de imunização de mais de 50 países como estratégia de saúde pública”, afirma o dr. Marco Sáfadi, da Sociedade Brasileira de Pediatria e professor de pediatria da FCM da Santa Casa de São Paulo. Desde o lançamento da vacina, mais de 170 milhões de doses foram aplicadas no mundo, principalmente em seu país de origem, América do Norte e Europa. Os resultados na redução dos casos de infecção por HPV são animadores: nos Estados Unidos, as infecções pelos tipos de HPV sobre os quais a vacina atua foram reduzidas à metade. “Na Austrália observou-se redução de mais de 90% nos casos de verrugas genitais entre as mulheres da faixa etária incluída no programa de vacinação.”
Na maioria das vezes, o vírus do HPV é eliminado espontaneamente pelo organismo, mas em alguns casos ele pode provocar a formação de verrugas na pele e nas regiões oral (lábios, boca, cordas vocais, etc.), anal, genital e da uretra, além de lesões de alto risco nos órgãos genitais que podem evoluir lentamente para o câncer de pênis e o de colo de útero. O tumor peniano é raro e representa apenas 0,4% dos carcinomas malignos do sexo masculino; já o câncer de colo de útero é bem mais comum: estima-se a ocorrência de cerca de 15.600 mil novos casos anualmente, o que significa o terceiro câncer mais comum entre as brasileiras, atrás apenas dos tumores de mama e colorretal. O mais preocupante é que, segundo dados da OMS (Organização Mundial da Saúde), 291 milhões de mulheres no mundo são portadoras do HPV, sendo que 32% estão infectadas pelos tipos 16, 18 ou ambos, responsáveis por 70% dos casos de câncer de colo de útero. Portanto, não há dúvida de que as mulheres são as maiores vítimas dessa DST.
Afinal, e os efeitos colaterais?
Quando o Ministério da Saúde anunciou a campanha de vacinação, algumas especulações sobre a segurança da imunização, principalmente a respeito dos efeitos colaterais, começaram a ser levantadas. O pediatra Daniel Becker é um dos especialistas que questiona a exposição dessas meninas a efeitos colaterais que, segundo ele, podem ser gravíssimos. “Antes de mais nada, estou me posicionando de forma bem clara como opinador, não sou infecto nem imunologista, sou um médico com opinião formada embasada em muita leitura”, frisa Becker. “Por mais que falem da proteção contra o câncer, ainda há controvérsias, com histórico perigoso. São efeitos colaterais graves, incluindo eventos neurológicos.”
Segundo a dra. Vivian Iida Avelino-Silva, médica infectologista do Hospital Sírio-Libanês,“ao analisarmos com cuidado os efeitos adversos relatados, constatamos que nenhum pôde ser atribuído à vacina contra o HPV. Ou seja, trata-se de uma associação ao acaso, uma coincidência que sempre acontece quando um grande número de pessoas recebe uma vacina nova em um curto período de tempo.
“Não há até o momento nenhum estudo que tenha associado de maneira inequívoca a vacina de HPV a algum evento adverso grave. Como todo e qualquer produto imunobiológico (vacinas, medicamentos, etc.), é claro que eventualmente pode-se observar efeitos adversos. Após esses anos todos de uso da vacina, os dados de segurança obtidos pelos sistemas de vigilância dos países que a introduziram nos seus programas mostram que a vacina contra HPV é segura, com a ocorrência de eventos adversos, na sua maioria leves, como dor no local da aplicação, inchaço e eritema. Em raros casos, ela pode ocasionar dor de cabeça, febre de 38ºC ou síncope (desmaios)”, afirma o pediatra dr. Marco Sáfadi.
A ocorrência de desmaios durante a vacinação contra HPV não está relacionada à vacina especificamente, mas sim ao processo de vacinação, podendo acontecer com a aplicação de qualquer outra vacina ou produto biológico injetável. “Portanto, recomenda-se vacinar as adolescentes sentadas e mantê-las em observação por aproximadamente 15 minutos após a administração da vacina”, finaliza Sáfadi. Recentemente foram registrados dois casos de convulsões em Pelotas, no Rio Grande do Sul, associados à vacina, o que resultou na suspensão da campanha. No Espirito Santo, outras nove meninas apresentaram efeitos colaterais relacionados à imunização.
“Vacinamos quase 2 milhões de meninas. Se você pegar esse número, durante duas semanas, alguém vai apresentar problema com a vacina. De toda maneira, os casos do Espírito Santo são tidos como leves. Já a convulsão é grave e, como fazemos com qualquer outra vacina, vamos investigar, já que não há nenhum relato de convulsão [relacionado à vacina] na literatura. O que não significa, necessariamente, que esses casos estejam ligados diretamente à vacina, uma vez que essas meninas podiam apresentar problemas de saúde antes de serem vacinadas”, afirma o secretário Barbosa.
“Temos que ter cuidado com o que estamos falando. Uma coisa é associar os efeitos colaterais com a vacina e analisar se isso é fato ou não. Outra coisa é falar que ela não funciona e pode matar. Isso não pode ser dito. Muitas vacinas são associadas a essas mesmas reações e nem por isso vamos deixar de tomá-las. Eu estive num congresso europeu que relacionou a síndrome de Guillian-Barré (doença do sistema nervoso) com a antitetânica e a vacina da hepatite, assim como estão fazendo com a do HPV. São casos isolados e não um fato”, explica a dra. Isabella Ballalai, presidente Nacional da Comissão de Revisão de Calendários da SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações).
Para o pediatra Daniel Becker a aprovação foi precipitada, sem tempo suficiente para se analisar as reações causais. “Eu me pergunto se com o passar dos anos não vamos perceber que elas ocorreram de forma causal mais para frente, com milhares de meninas vacinadas. A imunização é de 2006 e está aprovada há cinco anos. Foi testada em um tempo curtíssimo. Nós não deveríamos ter tido mais cautela? Eu tenho as minhas desconfianças.”
Segundo o dr. Marco Sáfadi, “na verdade, quando a vacina foi aprovada nos EUA, em 2006, as autoridades revisaram estudos que incluíram perto de 20 mil mulheres de várias idades que receberam a vacina de HPV ou outras vacinas em estudos controlados, demonstrando segurança e eficácia de mais de 90% na prevenção de lesões pré-cancerosas, adenocarcinoma e verrugas genitais causadas pelos tipos contemplados pela vacina. Esses estudos acompanharam as mulheres por 2 a 4 anos após a vacinação e foram julgados suficientes para o licenciamento da vacina para as indicações então vigentes”.
Por que só essa faixa etária?
“Essa faixa etária foi escolhida por dois motivos. Primeiro, a vacina é mais efetiva em meninas que ainda não tiveram contato sexual e não foram expostas ao HPV. Segundo, porque é nessa idade que o sistema imunológico apresenta melhor resposta às vacinas. Com base em pesquisas feitas pelo IBGE, 28% dos jovens começam a ter contato sexual a partir dos 13 anos, então vacinando essa faixa etária conseguimos um melhor aproveitamento dos efeitos da vacina. Esse ano vamos vacinar todas as meninas dos 11 aos 13, em 2015, as dos 9 aos 11. Daqui dois anos, todas as meninas até 15 anos estarão protegidas”, explica Jarbas. Isso não quer dizer que a vacina perca efeito depois do inicio da vida sexual.
“A vacina é eficaz para as virgens e para aquelas que já iniciaram a vida sexual. É claro que a efetividade é menor por uma questão: a menina que já iniciou a vida sexual pode ter tido contato com o vírus antes de se vacinar. O vírus pode estar ali no organismo, sem se manifestar. Ela toma a vacina hoje e depois de um tempo o vírus pode ‘acordar’. Não quer dizer que a vacina não fez efeito, mas que a menina já estava infectada quando foi imunizada”, fala Ballalai.
Papanicolaou x Vacina
“Antes de mais nada, é preciso ficar claro para todos: em nenhum momento falamos em substituir uma estratégia pela outra, as duas se complementam. A vacinação é uma ferramenta de prevenção primária antes da entrada do vírus no organismo e não substitui o rastreamento do câncer de colo de útero causado que já esteja em evolução”, explica o pediatra dr. Marco Sáfadi. Portanto, é imprescindível manter a realização do exame preventivo (exame de Papanicolaou), pois as vacinas não protegem contra todos os tipos oncogênicos de HPV.
Dessa forma, o rastreamento das mulheres por meio do exame preventivo deve continuar sendo realizado, independentemente da vacinação. “Nenhum meio de prevenção é 100% seguro. A camisinha é segura, mas nem todo mundo usa. Nem todas as mulheres têm acesso ao papanicolaou, sua cobertura está bem longe da totalidade, fora os inúmeros erros de leitura. Sem abrir mão de nenhuma prevenção, agora nós temos outra ferramenta, temos três. As meninas que estão tomando a vacina agora vão receber a orientação de que a imunização não elimina a necessidade da camisinha e do exame.A incidência de câncer de colo de útero vai ser muito menor do que hoje”, explica o secretário de vigilância Jarbas Barbosa.
“Após vários anos de experiência em programas de imunização no mundo a vacina de HPV mostrou-se segura e não foi associada a eventos adversos graves. A vacinação das meninas no início da puberdade oferece a possibilidade de uma excelente resposta imune, característica desse grupo etário, além de permitir a otimização da proteção da vacina ao administrá-la em uma idade que precede a idade de risco de exposição ao HPV. O benefício da vacinação nos parece, portanto, inquestionável, merecendo o total apoio da Sociedade Brasileira de Pediatria”, finaliza o dr.Marco Sáfadi.
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