Às vezes, temos a impressão de viver rodeados de pessoas bem-resolvidas, de auto-estima elevada e que não sofrem das inseguranças que sofremos. Às vezes, temos a impressão de viver num mundo de pessoas indiferentes ao que está à sua volta, satisfeitas com o que têm, e que a necessidade de olhar para o lado é apenas nossa. É como se fôssemos as únicas pessoas carentes, as únicas que precisam de atenção, as únicas que sofrem a amargura de se sentir deixadas de lado. Por nos sentimos assim, sem perceber vivemos alimentando um ressentimento generalizado, e esse ressentimento nos motiva devolver ao mundo a mesma indiferença e o mesmo distanciamento que julgamos receber dele. Será que percebemos isso? Na verdade, raramente percebemos. Ao adotarmos a atitude de indiferença para devolver às pessoas a indiferença com que, em nosso entender, elas nos tratam, é como se vestíssemos uma máscara. Vestimos a máscara da indiferença. Mas, inconscientemente, também julgamos que as pessoas conseguem ver o que está debaixo dela. Nossa intenção mais profunda é fazer com que as pessoas sofram o que elas nos fazem sofrer, e essa intenção é motivada pela crença inconsciente de que elas sabem como a indiferença delas nos faz mal. Mas, assim como acreditamos na máscara de indiferença das pessoas, elas também acreditam na nossa. E assim como a máscara delas nos faz sentir sozinhos num mundo de pessoas bem-resolvidas, a nossa as faz sentir da mesma forma. Poucas pessoas possuem a perspicácia necessária para enxergar o que está debaixo da máscara. A maioria acredita com muita facilidade nas máscaras de elevada auto-estima, felicidade e segurança que as pessoas ao seu redor usam.
Quando usamos a máscara da indiferença, nossa intenção inconsciente é comunicar às pessoas que estamos magoados com a indiferença delas, e que desejamos mais atenção. Quando mantemos distância das pessoas que gostamos, esperamos que elas tomem a iniciativa de se aproximar. Quando lhes dizemos ‘não’, esperamos que elas insistam e façam por merecer nosso ‘sim’. Ninguém usa a máscara da indiferença para se manter à distância. Pelo contrário, só mantemos a distância para dar às pessoas mais espaço de se aproximarem. Essa é a nossa intenção, e ela é motivada pela crença inconsciente de que nossos sentimentos e pensamentos verdadeiros podem ser lidos pelos outro, mesmo com todo o esforço de mantê-los encobertos. Mas, por se tratar de uma crença descabida, a vida costuma frustrar essa nossa intenção sem piedade. Se usamos a máscara da indiferença, as pessoas permanecem distantes. Se nos mantemos distantes, elas não se aproximam. Se nos afastamos na espera que elas venham até nós, ficamos sozinhos. Se lhes dizemos ‘não’, também recebemos ‘não’ como resposta. Esquecemo-nos que os outros também se sentem deixados de lado com a nossa indiferença, e que diante da nossa indiferença elas reagem semelhantemente a nós. Esquecemo-nos que elas também mantêm distância esperando que nos aproximemos delas, e que nos dizem ‘não’ na espera de insistirmos e merecermos o seu ‘sim’. Principalmente, nos esquecemos que, como nós, inconscientemente elas também acreditam que sua necessidade de atenção transparece pela máscara da indiferença.
Mantemos a indiferença na espera de as pessoas se aproximarem, e elas mantêm a delas na esperança de nos aproximarmos. O resultado mais comum dessa equação é a preservação da distância. Para se aproximar de uma pessoa que insiste se manter à distância, é necessário sagacidade para compreender o que seu distanciamento significa. Mas, principalmente, é preciso desprendimento para deixar de lado nosso próprio ressentimento e a sensação de termos sido tratados com indiferença por ela. Pois, ainda quando há a compreensão do que o distanciamento significa, às vezes o orgulho pode falar mais alto e nos fazer manter o distanciamento mesmo assim. Consequentemente, na ausência do orgulho, não é nem preciso a tal compreensão. Na ausência do orgulho e na presença do afeto, buscamos quem está distante sem pensar muito a respeito. Mas, como são raros esses momentos! E como o mundo seria melhor se eles fossem mais comuns!
Psicologia no Cotidiano
Daniel Grandinetti – Belo Horizonte
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