Todos nós provavelmente temos alguns acontecimentos da nossa vida que gostaríamos de ultrapassar, mudar, esquecer ou tentar que não interferissem de forma negativa na nossa vida. Decidi escrever este artigo na sequência dos comentários expressos por parte dos leitores no artigo:Como libertar-se das angústias do passado. Percebi que algumas pessoas sentem a necessidade de aprender estratégias psicológicas que possam ajudá-las a perceber como dar um novo significado a alguns acontecimentos incomodativos e/ou traumáticos. As terapias, aconselhamentos ou programas de desenvolvimento pessoal, estabelecem uma forte relação com a aprendizagem. E, para aprender algo é necessário viver uma nova experiência ou dar um novo significado a algo que nos aconteceu ou que fizemos. Por outras palavras, é mudar algo.
NOVA INTERPRETAÇÃO DOS ACONTECIMENTOS
Na prática da Terapia Cognitivo-Comportamental conduz-se a pessoa (cliente) a reviver os acontecimentos marcantes, perceber que tipo de emoções e sentimentos ficaram registados, e que impacto emocional teve e continua a ter no presente. Quando a pessoa consegue entender as reações que teve, porque teve, e quais as circunstâncias que contribuíram para o impacto emocional registado, fica numa posição vantajosa para reinterpretar e implementar um nova forma de olhar para os acontecimentos e interpretá-los à luz de nova informação e numa situação segura e controlada (o momento presente).
Todos nós só existimos no presente. Somos constantemente bombardeados com informações sensoriais vindas do ambiente externo, e algumas do nosso ambiente interno (pensamentos e crenças). A fim de dar sentido a essas informações, filtramo-las e armazenamo-las como uma representação interna ou mapa mental (formas de olhar o mundo). Qualquer acontecimento que não está sendo experimentado no momento atual é uma memória.
Quando nos sentimos incomodados, nos sentimos paralisados ou angustiados é a memória de eventos passados que está causando um problema no presente. Especificamente, é a forma como a pessoa revive o evento passado durante o processo de lembrar que a angústia se faz sentir no presente. Por exemplo, algumas pessoas relatam que alguns eventos da infância ainda causam problemas associados aos maus momentos vividos, provocando autoestima diminuída na idade adulta.
NOVA INFORMAÇÃO, NOVO SIGNIFICADO
Na minha prática profissional tenho vindo a ajudar a alterar a história individual de algumas pessoas, permitindo que elas reavaliem e façam alterações na memória de eventos passados. Além disso, a pessoa é capaz de fazer uso dos recursos atuais e dos conhecimentos que tem agora, mas não tinha acesso no momento que o evento ocorreu. Então, não sendo possível mudar o que realmente aconteceu, é possível alterar o significado de eventos passados e, portanto, o efeito que isso tem sobre o comportamento de um indivíduo. É possível voltar no tempo com o conhecimento que você agora tem, rever e dar um novo significado para o evento original.
Durante o processo de mudança de significado dos acontecimentos, a pessoa é suportada na revivência das experiências, primeiro num estado dissociado (desapegado) e numa segunda fase num estado associado, com o auxílio de uma âncora (emoções, sentimentos e significado) de recurso emparelhado. A âncora é cuidadosamente escolhida e construída pela pessoa (cliente). A âncora contém recursos emocionais positivos que a pessoa sente que estavam faltando no momento dos acontecimentos (por exemplo, autoconfiança, compreensão, clareza, calma, pensamento funcional). De forma virtual é dada a oportunidade à pessoa (cliente) para reviver de forma imaginada e poder interpretar novamente os comportamentos dos indivíduos envolvidos no evento. A pessoa é suportada para fazer alterações de significado no evento, para torná-lo como quer que seja, com o benefício dos recursos escolhidos. Outros passos são incluídos no processo, dependendo da natureza da memória problemática passada e necessidades específicas e objectivos da pessoa.
Na minha experiência, esta abordagem é muito eficaz. É, desta forma possível diminuir ou eliminar a dor emocional associada aos eventos traumáticos ou angustiantes do passado. Não há necessidade das pessoas sofrerem anos a fio, existe a possibilidade de evitar que as suas memórias incapacitantes do passado continuem a infligir impacto negativo sobre a vida no presente. Esta abordagem psicológica pode ser usada para eliminar a dor e o sofrimento associado a eventos passados, como o bullying, abuso, perdas e fobias.
ALGUNS ESCLARECIMENTOS
O que é o trauma psicológico? Um trauma é uma resposta emocional negativa, forte e persistente, a um evento passado, ou lembrança do mesmo.
Características do trauma:
- Um trauma não é uma experiência em si mesmo. É uma resposta emocional a uma experiência. Se a resposta emocional é positiva, a experiência não é traumática, não importa o quão angustiante possam ter sido os detalhes sensoriais (Pense em todas as pessoas que pagam dinheiro para ter experiências perigosas e assustadores, como o rafting!).
- Os traumas são aprendidas através de repetição e exagero de estímulos sensoriais.Imediatamente após uma experiência negativa, uma pessoa geralmente não fica traumatizada. É por isso que o tratamento que recebe imediatamente após a experiência pode mudar o seu resultado.
- Os traumas variam de muito menor para maior, e de uma situação contextualizada para a generalização. Por exemplo, uma pessoa pode ter uma fobia de besouros, mas não a outros insetos ou aranhas.
- As causas de trauma psicológico variam. Eventos problemáticos óbvios que acontecem com adultos provocam respostas traumáticas conhecidas como, Transtorno de Stress Pós-Traumático. Outros traumas podem acontecer quando uma pessoa é muito jovem. Muitas vezes reprimidos ou esquecidos, esses traumas podem causar problemas difusos com nenhuma causa óbvia. E algumas pessoas ficam gravemente traumatizadas por um grande número de eventos aparentemente pequenos e insignificantes.
A. Um trauma é uma associação entre um evento sensorial e metainformação (são dados sobre outros dados) sobre esse evento. A metainformação inclui o significado do evento, e as respostas emocionais da pessoa. O cérebro armazena memórias sensoriais e significados separadamente. Esta separação permite que a pessoa altere a interpretação de um evento passado, dar-lhe um novo significado, e gerar uma nova resposta emocional. A remoção da metainformação muda a memória traumática para uma memória de um evento sensorial, sem o trauma.
B. Um trauma é uma sequência aprendida, que acaba associando a pessoa a uma forte emoção negativa. Geralmente a sequência é extremamente comprimida, de modo que o evento para além do seu significado associado e consequentes emoções são reproduzidos quase instantaneamente. Isto torna a experiência intensa e difícil para a pessoa, dificultando o desapego, alterar o gatilho que inicia a sequência, ou alterar a sequência, e as mudanças de resultado.
A MELHORIA É POSSÍVEL
Um trauma ou um acontecimento perturbador e condicionador de vida, pode ter vários graus de incómodo e não tem necessariamente de ser considerado um estigma ou uma catalogação pejorativa para a pessoa. Certamente terá sempre um determinado impacto na vida da pessoa, mas é possível trabalhar num novo reenquadramento no sentido de que esse acontecimento e as memórias associadas deixem de perturbar e condicionar a vida de quem sofre. A melhoria é possível com o devido enquadramento.
Nenhum comentário:
Postar um comentário