A violência emocional é um tipo bem comum de violência doméstica, mas não recebe tanta atenção e nem é tão divulgado por que afinal, trata-se de uma agressão que não deixa marcas corporais visíveis, mas emocionalmente causa cicatrizes indeléveis para toda a vida.
Violência emocional tem varias formas de manifestação, dentre elas, as mais comuns são fazer o outro sentir se inferior, sentir se omisso, dependente ou culpado. O processo de manipulação da vitima começa com a destruição da sua autoestima e afastamento de pessoas que possam socorrê-la, abrir lhe os olhos para o que esta lhe acontecendo, o isolamento da vitima é fundamental para o sucesso do agressor que pretende a dominação da parceira através de manipulação.
Em um dos depoimentos que recebemos, sobre o pseudônimo de Eduarda, ela diz:
“Ele odiava todos meus amigos (as), dizia que não confiava neles (as), que ‘aquelas pessoas’ estava jogando a gente um contra o outro, estavam acabando com nosso casamento, que ele não ia me dizer o que fazer, mas que eu deveria saber o que era mais importante para mim. Eu me sentia péssima, sofria, tinha que escolher me afastar de meus amigos (as) para manter ele no centro da minha vida, como se fosse o rei da minha vida”.
Um dos mecanismos da manipulação pode ser a chantagem emocional, uma forma de culpar o vitima por omissão. A intenção do agressor é mobilizar a outra pessoa, tendo como chamariz alguma doença, alguma dor, algum problema de saúde, enfim, algum estado que exija atenção, cuidado, compreensão e tolerância.
“Quando eu não aguentava mais todas as opressões e agressões emocionais, resolvi dar um basta na relação, ele foi procurar um psiquiatra e voltou com um diagnóstico de bipolaridade. Foi um pesadelo este diagnóstico, pois todos os erros e abusos que ele cometeu contra mim tornaram-se justificáveis apoiados nesta enfermidade, à família dele, amigos dele, amigos homens cis héteros meus e até algumas mulheres, diziam-me que eu deveria ser tolerante, e quadro da doença levava a pessoa agir mal, não era culpa dele, que eu deveria apoia-lo”.
Mas este tipo de manipulação nem sempre é ativa, não consiste apenas em fazer a teatralidade, onde busca um sentimento de piedade, sentimento este que leva a vitima a crer tem obrigação de dar suporte, existe outro método que também é usado e que atinge muito sucesso: A reclusão. Neste mecanismo o abusador se fecha mantem se recluso a seu próprio mundo, não comunica o que esta sentindo, como se não quisesse com seu mal estar incomodar ou causar brigas.
“Ele ficava por períodos longos em silêncio, não falava sobre o que estava acontecendo, me torturava com a dúvida, logo eu pensava que ele estava sofrendo e que a culpa era minha, que eu precisaria melhorar em algo que não sabia o que para que ele pudesse se abrir comigo, sair daquela situação depressiva de isolamento. O mal estar na casa era tão grande que quase poderia ser apalpado”.
A violência verbal também se encaixa ai, se você acha que para ser violentado verbalmente é necessário alguma agressão vocalizada, não… Não precisa. A violência verbal existe até na ausência da palavra, ou seja, até em pessoas que permanecem em silêncio. O agressor verbal, vendo que um comentário ou argumento é esperado para o momento, se cala, emudece e, evidentemente, esse silêncio machuca mais do que se tivesse falado alguma coisa.
Por outro lado, existem as milhares de palavras e insinuações depreciativas que podem levar a inferiorização do outro, destruindo sua segurança e autoestima.
“Eu li no Facebook dele ele conversando com outra mulher, dizendo a ela que ela era linda, ele não me dizia nada como isso havia muito tempo, ou seja, eu a companheira dele não merecia nenhum tipo de elogio, mas outras mulheres sim. Isso aconteceu em um período muito ruim da nossa relação, quando a depreciação era um ponto alto de tudo, ele dizia que não me amava mais, ou que não sabia se me amava, dizia que não sabia se queria continuar comigo, eu me sentia um lixo”.
“Um dia ele demorou muito chegar em casa, o jantar estava na mesa esfriando, quando ele chegou eu questionei a demora ao que ele me respondeu que veio em ‘passos de tartaruga’ para casa, pois não teria mais vontade de chegar, de me ver, conversar…”.
A violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.1
As ofensas morais também fazem parte deste repertório, as insinuações infundadas de que a parceira tem um amante, as criticas depreciativas sobre o corpo dela, ou ainda usar como chacota as qualidade da companheira, por exemplo, “se você não tivesse esta qualidade estaria ferrada”, “só vale a pena estar com você por que você é… (insira ai uma qualidade)”.
“Numa das discussões ele me acusou de ter um amante, ele disse ‘quem esta chupando sua buceta, Eduarda?’ Eu fiquei sem chão, fiquei sem resposta, não conseguia raciocinar, a briga acabou ali por total falta de condição emocional de responder aquela calúnia infundada”.
Todas estas situações são precursoras da violência física.
A violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal.1
Após conseguir o intento de afastar a mulher de seu grupo social, após destruir sua autoestima, sua autodeterminação, ela fica completamente nas mãos do agressor e impossibilitada de reação. A agressão física não trata se apenas daquela que é efetivada, ela pode ser subjetiva, este tipo de agressão tem um grande poder sobre desestruturação do psicológico da vitima, pois é sentido como agressão física, sem ter tocado na agredida.
“Discutimos no quintal de casa, ele ameaçou ir embora de casa e se separar de mim, ele sabia que eu não queria isso e usava esta chantagem em todas as brigas, neste dia resolvi reagir, arranquei a aliança do dedo e atirei longe, ele buscou e me devolveu ordenando que eu recolocasse no dedo. Repeti este ato mais duas vezes, atirando a aliança longe, ele na terceira vez armou um murro contra mim, me obrigando a recolocar a aliança. Ele não desferiu o murro mas me ameaçou com violência física. Após alguns dias perguntei a ele se ele teria tido coragem de me agredir, ele me respondeu que não, mas que bem que a ameaçava me colocou no meu lugar”.
“Em várias discussões ele me silenciava quebrando objetos da casa, socando portas, destruindo moveis, eu só queria que ele parasse de quebrar as nossas coisas, aquilo me deixava perplexa, não havia possibilidade de nenhum diálogo, pois se ele estava quebrando coisas dentro de casa, o que o impediria de me agredir também?”
“Estas situações abusivas acabavam com minha saúde, me deixavam extremamente ansiosa, eu descontava na comida, engordava demais, e minha autoestima só piorava, ele estava me destruindo, mas eu queria que tudo que aquilo parasse, que ele voltasse a ser o homem com quem me casei, eu não conseguia pensar mais em me separar dele, eu acreditava que não conseguiria mais construir nada nem sozinha e nem com outra pessoa, minha vida se resumia a tentar reconstruir nossa relação a dele se resumia em me destruir.”
As agressões seguem um ciclo, elas não começam do nada, a violência psicológica é a primeira arma usada pelo agressor, esta arma ficara mais sofisticada com o tempo, atingindo a mulher com violência física, neste ponto ela estará completamente indefesa, e justamente por isso milhares de mulheres demoram a reconhecer os relacionamento abusivos e ciclos de abuso.
“É muito difícil admitir que o homem que você escolheu para ser seu melhor amigo, seu cumplice, amante, companheiro… o homem que você escolheu para viver a vida do seu lado é um agressor. É muito difícil admitir o fracasso da relação, e enfrentar as acusações que recairão sobre a mulher, no caso sobre mim, se ela fracassar, fomos criadas para entender que o sucesso da relação entre o homem e a mulher deve se exclusivamente a mulher, eu sempre me lembrava de que ouvi muitas vezes na igreja que ‘a mulher sábia edifica seu lar’, isso ficava ecoando em minha cabeça como uma musica tenebrosa no repeat, tocava sem parar…”
Se você se reconhece em alguma destas situações, procure ajuda, procure suas amigas, não se deixe ser isolada, conte o que esta acontecendo, peça socorro. Se você esta isolada de suas amigas por este homem agressor, procure auxilio através das feministas que estão nas redes sociais. Mas não se cale, não permita que este abusado/agressor destrua sua vida. Liberte-se.
Outros depoimentos:
“…E começaram os cortes… as roupas, os sonhos, os princípios que ele outrora apoiara, agora eram motivos de brigas e insultos, os amigose até mesmo meus desenhos e meu trabalho (que nunca foram valorizados). Os ciúmes dele eram sempre justificáveis: eu sempre havia feito algo que o deixava inseguro. Os meus? Loucura, claro. Ele tinha princípios, eu não.”


![Foto: OUÇA O QUE DIZEM MULHERES QUE SOFRERAM VIOLÊNCIA SEXUAL NA INFÂNCIA
Hoje adultas, elas afirmam que trauma da exploração dura para sempre.
Não há números exatos sobre quantas crianças e adolescentes são vítimas de exploração sexual no Brasil. Segundo estimativa da Organização Internacional do Trabalho (OIT), 100 mil menores de idade, principalmente meninas, são exploradas em mais de 900 municípios do país, quase metade deles no Nordeste. Embora o problema seja de difícil detecção, quem já o sofreu na pele garante: o trauma é real, profundo, e dura para sempre.
O G1 ouviu o relato de mulheres de Fortaleza e Recife que, em determinados momentos de sua infância, adolescência e até na idade adulta, sofreram algum tipo de violência sexual. As histórias têm começos distintos, mas o fim é parecido: ele ainda não chegou, mas segue carregado de medo, choro e vergonha. A maioria até hoje mantém esse passado escondido das próprias famílias.
Por isso, os nomes marcados com asteriscos foram trocados para preservar as identidades dessas mulheres.
Violência durante a vida inteira
Dos 32 anos de Maria do Socorro*, 13 foram de agressão familiar; 12 de exploração sexual, prostituição e uso de drogas, e sete de uma nova vida na reabilitação. "Eu nunca amei", diz ela ao lembrar dos anos em que se prostituiu. Ela conta ter tido seis filhos. Cinco deles foram frutos de abuso e prostituição. "Eles não sabem. Não sabem quem são os pais deles. Nunca contei. Tenho medo de que não entendam, de que me odeiem", diz a mulher que, atualmente, trabalha como zeladora com um novo companheiro, no Ceará. "Estou aprendendo agora [a amar]", diz ela.
Adotada aos três anos, ela conta que fugiu de casa aos 13, depois de cansar de apanhar da mãe adotiva. Nas ruas, ela conheceu uma menina e acabou morando na casa da mãe dela, a cafetina que a levou pela primeira vez pelo caminho da prostituição infantil. "O pior dia foi o primeiro, eu nunca tinha feito aquilo. Foi no dia que cheguei. Eu chorava tanto, eu não queria, ela me obrigou", afirma ela, acrescentando que "foi estupro".
Os clientes eram arranjados pela cafetina e os abusos sexuais ocorriam em matagais na Região Metropolitana de Fortaleza. As adolescentes ficavam com uma parcela pequena do dinheiro pago pelos abusos, apenas o suficiente para comprarem drogas. A maior parte do dinheiro ficava com a proprietária da casa.
"Até que eu engravidei e ela me expulsou. Eu tinha 15 anos."
Ela foi morar em um quarto de taipa, nas ruas, onde mantinha relação sexuais em troca de drogas, mesmo grávida. "Eu vivia suja. Eles [os 'clientes'] não ligavam", conta. "Eu dei meu filho quando ele tinha um mês e 20 dias. Procurei minha mãe e dei pra ela. Eu não queria essa responsabilidade. Até hoje ela cuida dele", afirma Maria do Socorro que, dois meses após o nascimento do primeiro filho, engravidou novamente do mesmo "cliente".
A segunda gravidez trouxe um relacionamento fixo, uma nova rotina e novos vícios. "Eu parei de me prostituir e fui pedir esmolas e comecei a usar crack", diz. Maria do Socorro criou a filha nestas circunstâncias até os cinco anos. "Mas eu perdi a guarda dela porque me denunciaram." Aos 20 e poucos anos e viciada em drogas mais pesadas, ela largou o companheiro, que a espancava, e foi em busca de clientes com mais dinheiro e mais exigentes. Ela passou a se prostituir na Avenida Beira Mar, um dos principais pontos turísticos de Fortaleza. "Aqui [no bairro em que vive] meus clientes eram velhos e tudo acabava rápido, né? Pagava pouco. Lá [na Beira Mar] não, eles queriam curtir a droga com a gente. Mas também demorava mais, era a noite toda. Quando começava, eu queria era que acabasse logo", conta.
Na Beira Mar, ela se envolveu com um estrangeiro e, como muitas garotas, acreditou que o príncipe dos sonhos lhe daria uma vida melhor. O homem, porém, desapareceu e, depois de um tempo, ela descobriu que estava grávida novamente. "Pra mim foi o fundo do poço. Você grávida de uma pessoa que você nem sabe quem é. Eu nunca engravidei na rua. Era uma vergonha", disse ela, que não sabe o nome ou o país de origem do pai de sua filha.
Após tentativas frustradas de provocar um aborto, ela foi convencida a não dar sua filha para a adoção, e foi levada a um tratamento de desintoxicação na Sociedade da Redenção. A estrada para a recuperação foi árdua, e ela chegou a repetir o ciclo e bater na filha recém-nascida. "Eu entrei em depressão e tinha tanta vergonha. Eu era que nem a minha mãe e eu me sentia triste com isso."
Há um ano e meio, Maria do Socorro encontrou um novo companheiro com quem teve mais um filho, desta vez, planejado e com acompanhamento médico. Os quatro vivem em uma pequena casa afastados do local onde as lembranças eram mais fortes. "Muita coisa ficou, eu não deixo minha filha na rua pra brincar, tenho medo."
Maria do Socorro ainda pretende se reaproximar dos filhos que vivem com sua mãe adotiva. Enquanto isso, ela ainda tenta se entender com o próprio passado. "Minha filha que vive comigo vive perguntando quem é o pai dela. Eu tenho vergonha, eu minto, cheguei a dizer que ele morreu."
Dois dias presa em um ponto de prostituição
Com Joana*, de Pernambuco, a história não começou na violência. Criada pela tia, ela diz não ter tido problemas em casa. Seu problema existia nas ruas e se aproveitava de meninas imaturas que gostavam de brincar desacompanhadas. "Eu gostava de sair, de conhecer o mundo, né", afirmou ela. Na noite de Ano Novo de 2008, com 17 anos recém-completos, a adolescente acompanhou uma conhecida do bairro a outro local. A menina lhe disse que precisava buscar uma troca de roupa para aproveitar o Réveillon. Chegando lá, porém, Joana disse que se deparou com um espaço aberto lotado de homens, e mulheres que faziam programa
"Eu não sabia dos perigos que a rua causava. Achavam que eu estava fazendo programa. Perguntavam se eu queria ficar com eles. 'Você quer ficar comigo? Eu lhe ajudo a voltar pra casa'", reconta ela. Sem crédito no celular, só depois de dois dias Joana conseguiu convencer um dos homens da região a levá-la de volta ao seu bairro. Antes disso, porém, ela diz ter sido obrigada a ficar com quatro homens contra a sua vontade, após sofrer ameaças de agressão e propostas de programas pagos em trocados ou comida. Um dos homens a ameaçou com uma arma e tentou impedir que ela tentasse ligar para a mãe.
Além de notar a presença de outras adolescentes no local, ela diz ter conhecido um estrangeiro por lá. O homem, que segundo ela era alemão, lhe disse que havia escutado várias vezes relatos de outras jovens como ela.
Na volta para casa, com vergonha de enfrentar a mãe, Joana se escondeu na casa de amigas e precisou ser acalmada pelos vizinhos. "Eu era muito aventureira, por isso não avisei minha mãe aonde eu ia. Ela esperou por mim três dias chorando", relembra ela.
Nas ruas de Recife, Joana diz que abordagens de adolescentes por homens adultos são comuns, independente de haver oferecimento por parte delas. Ela afirma que, também com 17 anos, foi parada na rua por homem que lhe ofereceu trabalho. Depois de anotar os dados pessoais dela, ele a conduziu a um suposto escritório, onde tentou fazer com que ela posasse nua para fotos. Ao perceber a armadilha, Joana se recusou e conseguiu fugir, ouvindo do homem que ninguém acreditaria em sua história, se ela a contasse.
"Existem muitas pessoas que não têm nenhum instinto de ser humano. Que esquecem o que é família, o que é vida, o que é criança, o que é uma pessoa perdida", afirma ela. Segundo Joana, esse tipo de pessoa pode se aproveitar de adolescentes imaturas como ela foi um dia. "Principalmente na Copa."
Copa aumenta fatores de vulnerabilidade
Anna Flora Werneck, gerente de Programas da Childhood Brasil, afirma que não é a Copa do Mundo que traz riscos de exploração sexual infantil, "mas alguns fatores da Copa aumentam a vulnerabilidade para que isso ocorra". Ela cita a grande movimentação de pessoas, a antecipação das férias escolares –que dá mais um motivo para os menores de idade ficarem ociosos–, a oferta de bebida alcoólica e o trabalho informal. Além da Copa, esses fatores também aparecem em outros eventos, como o Carnaval, as paradas LGBT e corridas de Fórmula 1. Por isso, segundo ela, o problema não deve ser esquecido a partir de 12 de julho.
Segundo ela, a exploração sexual infantil é móvel. "De certa forma ela é visível, mas é invisível. Você descobre o ponto, divulga, e as redes criminosas rapidamente vão para outro lugar." Apesar disso, diz a especialista, os espaços onde esse tipo de rede pode atuar sempre têm semelhanças, principalmente fatores de vulnerabilidade. Entre eles estão problemas familiares, incluindo maus tratos, e regiões com baixo índice de desenvolvimento humano, como as favelas e comunidades mais pobres.
São fatores como esse que levam as crianças e adolescentes às ruas, e lá as redes de tráfico de drogas e de prostituição não demoram a encontrá-las.
De acordo com a Childhood Brasil, os efeitos da violência são duradouros. Em pesquisa feita em 2009 com 69 adolescentes resgatadas de situações de exploração sexual, 60,9% delas afirmaram que já pensaram no suicídio. Dessas, 58,1% já tentaram tirar a própria vida. O número é dez vezes mais alto que a média brasileira.
"Quando violência sexual acontece, normalmente outros direitos já foram violados. Para garantir o direito, tem que garantir que a criança não esteja na rua, não está vendendo drogas, não está em situação de trabalho infantil, não está fora da escola, não se sente diminuída, insegura, não está brincando no esgoto."
'Escuridão' é para sempre
A escritora, historiadora e funcionária pública Maura de Oliveira Lobo já nasceu sem direitos. Era a década de 1970, bem antes do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), e suas primeiras lembranças são de quando ela tinha 4 anos de idade e vivia nas ruas do Rio de Janeiro com a mulher que lhe deu o sobrenome Oliveira. "Não sei dizer onde eu nasci, porque eu não tenho referência dos meus pais. Foi uma mulher da rua que me registrou. Era uma mulher sem paradeiro", reconta Maura, que adotou o sobrenome Lobo após casar pela segunda vez, anos depois de conseguir se emancipar e escapar de uma década de violência emocional, física e sexual.
O problema de Maura não foi a prostituição infantil, mas a pedofilia na residência de uma família que a acolheu aos sete anos com o intuito de fazê-la responsável pelo trabalho doméstico. Após sofrer três anos de violência sexual do pai da família, ela passou outros sete nas mãos do genro dele, que a tratava da mesma forma. Maura só conseguiu sair da tutela da família aos 16 anos, idade em que, naquela época, a pessoa ganhava o direito de ser ouvida pela Justiça.
Hoje, Maura tem a própria família e mantém uma ONG que atende crianças em situação de exploração sexual infantil. "É uma ruptura, é uma maldade tão grande que é para sempre. Para sempre vai se viver numa escuridão dessa lembrança ruim. Eu posso lhe garantir que não tem volta." Ela afirma que é feliz, mas só conseguiu superar o que chama de "escuridão" depois de começar a trabalhar para ajudar a resgatar outras crianças que passam pelo mesmo que ela passou. "É triste ver que a mesma história ainda acontece. Ainda existe muita exploração, muita violência infantil. É como se a gente olhasse para trás e visse o mesmo filme todos os dias", diz Maura.
Apesar de a grande maioria dos casos de pedofilia envolverem familiares, os riscos de casos de exploração sexual infantil durante a Copa do Mundo no Brasil preocupam a escritora. "Não existe uma criança se tornar uma mulher. Não existe. Uma criança é uma criança tanto no seu corpo quanto na sua alma", afirma ela.
"Gostaria que os turistas olhassem para o futebol, olhasse para as belezas naturais, mas nunca que olhassem para essas crianças desejando-as. Que possam olhar para aquela criança e pensar em si próprio. Só quando a pessoa consegue se colocar no lugar do outro ela consegue pensar na dor alheia. Não é possível que três minutos de prazer seja suficiente para destruir o futuro de uma vida."
Ana Carolina Moreno, Diana Vasconcelos e Luna Markman
Do G1, em São Paulo, Fortaleza e Recife
http://brasil-sempedofilia.blogspot.com.br/2014/06/ouca-o-que-dizem-mulheres-que-sofreram.html](https://scontent-a-mia.xx.fbcdn.net/hphotos-xpf1/l/t1.0-9/10446477_704834646254041_7581644448616917819_n.jpg)