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quarta-feira, 9 de julho de 2014

Sexualidade / APAE DE SÃO PAULO

       Ao elegermos o tema da sexualidade, o fazemos por acreditar que o tema permeia todas as relações humanas, com implicação direta no desenvolvimento afetivo e social dos indivíduos.
Tratar do tema da sexualidade transversalmente ao tema da violência contra a criança e o adolescente, é abrir um espaço para a discussão e compreensão de uma modalidade de prática violenta, ainda pouco compreendida e debatida na sociedade: a violência sexual, abuso e exploração sexual comercial.
Entendemos, assim, que tanto a questão da violência, quanto a questão da sexualidade são aspectos constitutivos da formação do psiquismo e subjetividade humana.
 A discussão da sexualidade ganha grande espaço e sofre forte transformação a partir das formulações e contribuições de Freud e da psicanálise no inicio do séc. XX, que rompe com conceitos dominantes até então, de uma sexualidade ligada exclusivamente à necessidade instintiva da reprodução humana, pelo coito entre um homem e uma mulher, para uma conceituação e compreensão da sexualidade mais abrangente e complexa que acompanha e perpassa a vida do individuo do nascimento à morte.
A compreensão da sexualidade deixa de ser meramente reprodutiva e passa a ocupar o espaço de elemento formador da  constituição do psiquismo e da subjetividade humana.
Desde o nascimento o bebê irá experimentar,  em sua relação com a mãe, sensações de prazer (alimentação, calor, aconchego, p.ex. ) e desprazer , fúria ( fome, cólica, frio, por.ex). Ao sentir fome, o bebê experimenta uma sensação ruim e de desconforto.  A mãe atenta às necessidades de seu filho irá alimentá-lo, gerando uma experiência de prazer e satisfação. O bebê irá buscar, na relação com sua mãe, a repetição desta experiência de prazer. Assim sendo, podemos imaginar que toda experiência de prazer\desprazer, busca de satisfação, acontecerá na presença e na relação com outro ser humano, fundando assim a sexualidade.
Porém, não devemos confundir a sexualidade do bebê e da criança, pautada na busca da sobrevivência em um primeiro momento e da repetição de uma experiência prazerosa, posteriormente, com a sexualidade adulta, madura, genital e voltada para a relação sexual para obtenção de prazer e reprodução. São momentos distintos no desenvolvimento humano e assim devem ser vistos e compreendidos. Freud propôs uma compreensão do desenvolvimento infantil e da sexualidade humana em fases e etapas distintas, que são definidas por processos de maturidade bio-fisiológica e desenvolvimento afetivo. Tentaremos descrever as etapas descritas por Freud de forma resumida, para que possamos iniciar nossas reflexões e compreensão da sexualidade humana e sua relação com a violência e o abuso sexual da criança e do adolescente, com e sem deficiência intelectual.
Fase Oral – Momento do desenvolvimento que vai do nascimento até por volta dos 2 anos de idade e se caracteriza pela oralidade como forma de exploração do mundo exterior e busca de prazer pela criança. O mundo lhe será apresentado, neste período, através dos olhos e da fala da mãe.
Fase Anal – Ocorre dos 2 aos 4 anos de idade. É o momento em que a criança vivência o início da independência e da autonomia, onde irá experimentar a possibilidade de controlar suas próprias produções e o seu corpo. O aprendizado da marcha e da linguagem irão permitir que a criança experimente comunicar seus anseios e desejos. As relações, antes estritamente duais, passam a permitir a entrada de novos elementos, as relações triangulares. É comum, neste momento do desenvolvimento,  crianças apresentarem comportamentos mais birrentos, testando e buscando o controle do ambiente a sua volta; em função disso é comum, neste momento, que pais e cuidadores respondam a estes comportamentos com violência, tirania e abuso, calando a voz da criança e coibindo suas ações e expressões.
Fase Fálica - Caminha dos 4 aos 6 anos aproximadamente. Fase crucial do desenvolvimento da subjetividade, onde ela viverá e tentará elaborar  o Complexo de Édipo. A criança nesta fase irá se identificar com um dos pais, buscando encantar o outro. É o momento da interdição da criança, com a entrada na cultura. É a elaboração da interdição que irá nos constituir como sujeitos.
Fase de Latência - Ocorre dos 4 aos 10 anos. É o momento em que a criança trabalhará intensamente na elaboração e internalização das regras e normas sociais, passando a experimentá-las como elemento organizador. Neste momento, as crianças costumam ter preferência por jogos e brincadeiras mais estruturadas e se dividem por grupos de gênero. Meninos e meninas. A vida social e escolar ganha força e fica em destaque.
Puberdade e adolescência - Iniciando-se próximo aos 11 anos costuma alongar-se até por volta dos 19 anos de idade. Momento intenso na vida da criança, onde irá experimentar sentimentos ambíguos e contraditórios. A passagem da infância para a vida adulta. É necessário elaborar o luto pela perda do corpo infantil e acostumar-se com as intensas mudanças que irão transformá-lo em um corpo adulto. A curiosidade com o corpo do outro, com aspectos da sexualidade e o desejo sexual voltam à tona com força. Trata-se de momento de intenso conflito e contraposições com as figuras paternas e de autoridade, na busca de se diferenciar e se constituir como sujeito mais livre e autônomo.      

“As crises da adolescência duram apenas um tempo e o tempo é seu remédio natural. Ou seja, existe um trabalho do tempo que opera mudanças. É claro que muitas vezes essas crises representam riscos que precisam ser considerados, porém, no atacado, se elas não forem impedidas, sempre acabam relativamente bem. Não se deve combatê-las, curá-las ou encurtá-las, mas acompanhá-las e explorá-las para que o sujeito tire o maior proveito delas” (Winnicott apud Pavan, 2003).

Tentamos apresentar aqui um recorte do tema  sexualidade, apresentando alguns marcos do desenvolvimento, pelo olhar da psicanálise, trazendo à discussão e jogando luz na importância e na complexidade do tema para a formação da subjetividade e da identidade do sujeito.
O tema da sexualidade deve ser encarado com seriedade e cuidado e os mitos e tabus, que ainda persistem, devem ser desmistificados possibilitando lidar com o tema de forma mais livre e crítica.
A manifestação da sexualidade nas crianças não deve ser ignorada ou punida como atos desviantes. Muitas das dificuldades do adulto em tratar do tema da sexualidade de crianças com ou sem deficiência intelectual, consiste na impossibilidade do adulto em se distanciar de sua vivência da sexualidade, genital, e se aproximar da sexualidade infantil, pré-genital. Os adultos pensam e sentem necessidades sexuais diferentes da criança e do adolescente, que ainda estão em fase de construção de sua identidade e subjetividade.
Tratar do tema sexualidade com crianças, adolescentes e pessoas com deficiência intelectual, faz com que tenhamos que olhar para nossa própria experiência e sexualidade, questionar nossos mitos, crenças e valores. Por isto mãos à obra, temos muito trabalho pela frente.

Bibliografia indicada:
PAULA, A.R. de e REGEN, M. Sexualidade e a Pessoa com Deficiência - Reabilitação de Pessoas com Deficiência: A Intervenção em discussão. Editora ROCA, São Paulo, 2006.
PAULA. A.R. de e REGEN, M. Sexualidade e Deficiência: rompendo o silêncio. Editora Expressão e Arte, São Paulo, 2ᵃ edição, 2011.

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