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quarta-feira, 9 de março de 2016

Surto psicótico: sintomas e tratamentos / Médico Psiquiatra Dr. Deyvis Rocha

Abre-se o jornal ou liga-se a TV e dá-se de cara com alguma notícia sobre um sujeito que realizou algum ato absurdo por causa de um surto psicótico. Em geral, são notícias desagradáveis, que envolvem atos de violência. Podem se referir a pessoas consideradas sadias até que vieram a ter o surto ou a indivíduos que sabidamente faziam uso de alguma substância ilícita no momento da perturbação.
O que pouco se diz é o que vem a ser de fato o surto psicótico. O que quer dizer a pessoa ter um surto psicótico? Quais são as suas causas? Isso é o mesmo que ser psicopata???
Esclareça as suas dúvidas com o psiquiatra Dr. Deyvis Rocha:
1. O que é surto psicótico?
Vamos analisar cada palavra separadamente. Surto quer dizer “impulso arranco”, algo que surge de maneira súbita, mudando o status quo de uma situação.  Falamos por exemplo em surto de dengue quando começamos a ter, em pouco tempo, um grande aumento do número de casos da doença.
A palavra psicótico vem de psicose, termo que tem raízes históricas. O seu sentido sofreu algumas alterações ao longo do tempo. Em meados do século XIX, quando foi pela primeira vez empregada na literatura psiquiátrica, psicose servia para enfatizar as manifestações psíquicas das doenças cerebrais.  Ela já foi empregada como sinônimo de doença mental e de insanidade, também para referir-se às doenças mentais com alterações do cérebro, e hoje em dia é usado, como adjetivo, para qualificar os sintomas de delírios e alucinações.
Então, surto psicótico é quando a pessoa passa a apresentar, de maneira súbita, os sintomas de delírios e alucinações. Não confundir a palavra psicótico com psicopata, pois, apesar de serem foneticamente parecidas, significam coisas bastante diferentes.
2. O que são delírios e alucinações?
Os delírios são juízos falsos da realidade, produzidos de maneira patológica. Em termos mais claros, os delírios indicam que a pessoa está com alterações do pensamento que a fazem acreditar em coisas que não existem. A pessoa pode crer que está sendo perseguida por outros que lhe querem fazer algum mal, prejudicá-lo e até matá-lo, sejam policiais, sejam bandidos, sejam os vizinhos, ou mesmo os familiares. Ou a pessoa pode achar que nas ruas os outros estão falando ao seu respeito, mesmo quem não o conhece, que câmeras de TV o vigiam que os telefones estão grampeados. Pode também pensar que podem ler o seu pensamento, que a televisão lhe manda mensagens.  Pode ser um delírio de ciúme, em que a pessoa tem certeza de estar sendo traído, ou um delírio erotomaníaco, em que a pessoa pensa que é amada por outra pessoa, em geral famosa ou mais rica.
As alucinações são alterações do senso percepção. Nós adquirimos conhecimento do que está ao nosso redor através do percebemos pelos nossos cinco sentidos, a visão, a audição, o olfato, o paladar e o tato.  Uma alteração cerebral pode fazer com que possamos perceber coisas que na verdade não existem, como ouvir vozes de pessoas conversando, sendo que não há ninguém falando. O mesmo funciona para os demais sentidos, podemos ver coisas que não estão lá, sentir cheiros e gostos desagradáveis, além de sentir toques ou beliscões que não existem. Não é que a pessoa está imaginando uma voz ou outra sensação, ela realmente está ouvindo, mas essa é uma produção do cérebro doente.
3. A pessoa em surto pode ficar violenta?
A resposta é sim e não.  Vai depender da reação da pessoa frente a essas alterações descritas acima.
Vejam bem, quem está pensando que está sendo ameaçado por outros, que os seus passos estão sendo vigiados, que todos falam ao seu respeito nas ruas, que pode ser morto a qualquer instante, não vai ficar impassível. Soma-se a isso as vozes ameaçadoras que se ouve, como por exemplo, “você vai morrer”, ou xingamentos da pior espécie. Em primeiro lugar, a pessoa vai ter medo, muito medo (algumas pessoas acham que isso é transtorno do pânico). Daí, a pessoa pode reagir ficando em casa escondido, sem sair do seu quarto por nada, ou vai  brigar para se proteger, no que passa a agredir com palavras ou até fisicamente quem ele pensa que é o seu agressor. Parece ter sido esse o caso do sujeito que causou confusão em São Paulo no começo da semana.
Estudos mostram que os pacientes com transtorno psicótico não cometem mais atos de violência do que a população normal. A maior parte dos atos de violência nos pacientes acontece quando, além dos sintomas psicóticos, eles estão sob o efeito de alguma droga, como maconha ou cocaína.
4. Eu posso ter um surto psicótico?
O surto psicótico está presente em algumas doenças mentais, como a esquizofrenia, o transtorno psicótico breve, o transtorno bipolar, a depressão grave, a demência, entre outros. A não ser pela demência, que costuma aparecer em idade mais avançada, os outros transtornos, mesmo que geralmente comecem entre o final da adolescência e início da idade adulta,  podem acometer pessoas de todas as idades.
Quem tem parentes com doenças que cursam com transtorno psicótico tem mais risco de desenvolver também um surto do que pessoas que não têm parentes acometidos.
O uso de substâncias, como a maconha e a cocaína, ou mesmo algumas medicações, como corticoides, podem desencadear surtos. A maconha está particularmente relacionada à esquizofrenia, pois pessoas com predisposição genética que a usam na adolescência podem desenvolver essa doença.
5. Há jeito de prevenir o surto?
Mesmo que a eclosão dos delírios e alucinações se dê de maneira subida, é possível sim identificar algumas alterações que precedem o desencadear do surto psicótico.
Quem geralmente percebe isso é alguém bem próximo da pessoa, como os pais ou companheiros, que notam que ela começa a agir de maneira diferente do seu habitual, está mais irritadiça, dorme menos, às vezes manifesta preocupações com temas filosóficos ou religiosos, passa a ir mal na escola ou no trabalho. Isola-se dos amigos, perde o interesse em algumas atividades.
A própria pessoa pode não se dar conta disso, mas pode começar a perceber as coisas que antes eram triviais de uma maneira estranha. Antes de achar que está sendo perseguida ou que há um plano diabólico contra ela, a pessoa percebe significados diferentes nos gestos e nas falas das pessoas, passa a desconfiar de que algo está para acontecer, mas ainda não sabe exatamente o quê.
Esse é o momento de procurar a avaliação de um profissional, de um psiquiatra, que pode instituir o tratamento antes que o surto se apresente de sua maneira mais exuberante.
Evitar o uso de drogas também é importante para se prevenir o surto psicótico, principalmente às pessoas que têm parentes com transtornos psicóticos. O uso de maconha e cocaína deve ser desencorajado em todos os adolescentes.
6. Há tratamento para o surto psicótico?
Sim, há tratamento, e quanto mais cedo ele começar, melhor.
As medicações antipsicóticas são as principais ferramentas em seu tratamento. Há vários antipsicóticos, que podem ser classificados de acordo com o tempo em que foram fabricados. Os de primeira geração são os mais antigos e os de segunda geração, mais recentes. No entanto, não há diferença de eficácia comprovada entre os diferentes tipos, há diferenças sim de efeitos colaterais. A escolha do antipsicóticos a ser tomado vai depender do perfil do paciente e da experiência de tratamento do médico.
Em casos de transtorno afetivo bipolar, o uso de estabilizadores de humor também é recomendável para o tratamento do surto psicótico.


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