Quando estudamos a sexualidade e as práticas amorosas ao longo da História, muitas vezes, nos deparamos com expressões que nos causam espanto. O que era natural no passado pode ser escandaloso ou simplesmente soar estranho ou bizarro nos dias de hoje. Como entender o significado dessas palavras naquela época estudada, e mais ainda, como mostrar ao leitor o contexto em que foram empregadas? Os dicionários de época são nossos maiores aliados nessa missão.
O título do recém-lançado livro de Mary del Priore, o romance histórico “Beija-me onde o sol não alcança” (ed. Planeta), foi inspirado no poeta espanhol Francisco de Quevedo (1580-1645), autor de inúmeros poemas eróticos. “Ele fala de ambiguidade, de não poder dizer tudo, de se mascarar atrás das palavras. A vida dos três personagens principais (conde Maurice Haritoff, sua esposa Nicota Breves e a filha de escravo alforriado, Regina Angelorum, que formam um triângulo amoroso) é feita de traições. Traição do que se é, de quem se ama ou amou, dos projetos de vida”, explica a historiadora.
Para escrever a obra, Mary fez uma profunda pesquisa sobre palavrões e palavras de cunho erótico. “Meu maior cuidado nesse livro foi como vocabulário. Ficou tudo muito fiel às práticas da época”, diz a escritora. Para evitar anacronismos, ela recorreu à poesia erótica e pornográfica do século 19. “Lá está todo o repertório de palavrões”, diz.
Na segunda metade do século XIX, não faltaram os chamados “romances para homens” no Brasil, a exemplo do que ocorria na Europa. A vida amorosa dos grandes homens era um dos temas preferidos. Os amores conventuais continuavam na moda como se pode ver pelos “Serões do convento”, “Suspiros de um padre ou a crioula debaixo da cama”, “A mulher e o padre”. Não faltavam títulos mais picantes como “Amar, gozar, morrer”, “Os prazeres do vício”, “Gritos da carne”, “História secreta de todas as orgias”, entre muitos. Outro assunto muito abordado era a mulher adúltera, virgem, devassa ou pertencente às altas rodas de prostituição.
No que se refere ao vocabulário, Mary del Priore, em “Histórias Íntimas”, destaca que muitos textos limitavam-se a descrever uma sucessão de cópulas, mas tinham pudores quanto à linguagem. “Palavras chulas traduzidas em estórias francesas como pica, caralho, porra eram cuidadosamente substituídas por autores portugueses e viravam varinha de condão, lança, instrumento, furão ou um nada sensual apêndice varonil“. A historiadora destaca que, O Primo Basílio, de Eça de Queiroz, publicado em 1878, foi considerado escandaloso a ponto de ser incluído na lista das “leituras para homens”. O fato da personagem Luísa sentir “um luxo radiante de novas sensações” em seu encontro com Basílio – leia-se, ter um orgasmo, – bastou!
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